Livros que conversam sobre agressividade e afins

por Paula Lisboa

É verdade que ler é bom por si só, independente de tema a ser trabalhado, ou objetivo a ser alcançado. Ler é gostoso e traz uma série de benefícios pra gente, sempre! Uma leitura também traz possibilidades de conversas, e pode ser gatilho disparador de muita reflexão tanto interna quanto compartilhada.

Levantei alguns títulos que acho especialmente interessantes quando queremos refletir sobre a agressividade existente em nós e nas relações. Se você lembrar de outros livros em torno do tema, compartilhe nos comentários! 

As garras do leopardo / Chinua Achebe com John Iroaganachi ; ilustrações de Mary GrandPré ; tradução de Érico Assis. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2013. 38 p.

No começo, todos os bichos eram amigos. Eles não tinham garras nem dentes afiados, nem mesmo o rei, o bondoso leopardo. A única exceção era o cachorro, que, com seus caninos pontudos, era motivo de gozação entre os animais. Certo dia, o cão, cheio de rancor, resolveu usar o que tinha de diferente para enfrentar o rei leopardo e se tornar o bicho mais poderoso da selva. E foi assim, a dentadas, que ele derrotou o grande líder, mandando-o para bem longe. Mas o leopardo logo retornaria. Dotado de um rugido ainda mais forte, de garras afiadas e dentes reluzentes, o antigo rei voltou para fazer justiça – e, a partir daí, a vida na selva nunca mais seria a mesma. 

Neste conto o escritor nigeriano Chinua Achebe fala de libertação e justiça, referindo-se ao doloroso processo de colonização de um povo. Podemos também encaminhar a reflexão sobre a ideia do uso da força bruta para exercer autoridade. Tem um interessante distanciamento que os contos populares proporcionam – refletir sobre um comportamento humano a partir de uma situação entre animais.

Pinote, o fracote e Janjão, o fortão / Fernanda Lopes de Almeida ; ilustrações de Alcy Linares. São Paulo: Ática, 2006. 32 p.

Janjão era o valentão da turma e nem imaginava que um menino pequeno como Pinote fosse capaz de derrotá-lo. Como era o mais forte, Janjão obrigava todos a fazerem o que ele quisesse, mas não contava com a possibilidade de não poder controlar o pensamento!

A força bruta parecia eficiente para controlar os amigos por um tempo, até Janjão perceber que não há força capaz de controlar o pensamento – e também os sentimentos – dos outros.  

Marilu / Eva Furnari. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 31 p.

Marilu achava tudo chato e sem graça – as nuvens bobas, as montanhas cinzas. Andava sempre aborrecida em seu mundo monótono e sem cor, até que, certo dia, viu uma garota carregando uma inacreditável lanterna multicolorida. Decidida a comprar uma igual, foi em busca da loja vermelha que a garota lhe indicara. Qual não foi sua surpresa, porém, quando depois de comprado o brinquedo começou a ficar cinza. Voltou à loja decidida a protestar, gritar e espernear, mas isso não resolveria o problema, que afinal não estava nas coisas, mas em sua maneira de olhar.

Uma ótima história sobre olhar o mundo com bom humor e assim ser mais feliz. Não adianta querer conquistar as cores da vida com raiva e xilique, mas sim a alegria interior, um modo de ver o mundo.

Nesse link você pode assistir um vídeo com a leitura desse livro.

Nós / Eva Furnari. São Paulo: Moderna, 2015. 31 p.

Mel tinha algo diferente; onde quer que ela fosse, estava sempre rodeada de borboletas. Os moradores da cidade a ridicularizavam e Mel sofria muito. Como se não bastassem as borboletas, um dia descobriu um nó no dedinho do pé. Depois, mais outro no dedo da mão, e mais outros, por isso Mel resolve ir embora. Do outro lado do rio, encontrou Kiko, um garoto também cheio de nós que a ensinou a desfazer nó de nariz, e ela dividiu com ele as borboletas.

Olhando pra menina Mel podemos sentir a tristeza causada pela falta de aceitação e o despropósito do ato de ridicularizar outras pessoas.

 

 

A ponte / Heinz Janisch ; ilustrações de Helga Bansch ; tradução de José Feres Sabino. São Paulo: Brinque-Book, 2012. 27 p.

O rio e a ponte que o atravessa guardam muitas histórias. Certo dia, um urso e um gigante topam um com o outro no meio da longa e estreita ponte. Nenhum deles aceita recuar, nenhum quer arredar o pé, mas não podem passar ao mesmo tempo. Como será que os grandalhões chegarão aos seus respectivos destinos?

Dois brutalhões diante de um problema que não dá pra ser resolvido na marra, na força bruta, na agressividade. Eles precisam baixar a bola para solucionar a questão. Juntos, conseguem encontrar uma forma até um pouco afetuosa para isso!

Nesse link você pode assistir um vídeo com a leitura desse livro.

Tonico, o invisível / Gianni Rodari ; ilustrações, Alessandro Sanna ; tradução, Franscico Degani.. São Paulo: Biruta, 2011. 30 p.

Tonico percebeu que estava invisível. Depois disso, fez muita confusão, trapalhada e descoberta. O que parecia ser muito bom – ficar invisível – significava também não ser visto por ninguém, mesmo quando queria um abraço, um bate-papo, uma brincadeira… Além de divertir, o livro do premiado autor Gianni Rodari leva à reflexão sobre as relações sociais cotidianas e pode provocar discussões muito interessantes: se você estivesse invisível, o que você faria? Parece legal provocar os outros e não levar nenhuma bronca, já que está invisível, mas e na hora de ir brincar com os amigos, também vai ser bom estar invisível? É preciso ser invisível para provocar as outras pessoas? Provocar os outros pode ser uma forma de se mostrar pra quem não está querendo te ver? Como você sentiria se de repente ninguém te visse? Por que ninguém vê o velhinho, ele também é invisível? 

Ninguém vai ficar bravo? / Toon Tellegen, Marc Boutavant ; tradução Patricia Broers Lehmann. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015. 82 p.

Em 12 capítulos curtos, vemos diversos animais zangados e irritados, em diferentes circunstâncias. Alguns tentam entender sua raiva, outros tentam controlá-la, e outros, ainda, deixam-se dominar por ela. São histórias engraçadas e incomuns, mas que também propiciam uma reflexão profunda sobre a natureza das emoções humanas.

Um livro incrível que provoca muita conversa sobre as nossas emoções. 

 

 

Três ursos / Cliff Wright ; tradução: Gilda de Aquino. São Paulo: Brinque-Book, 2008. 32 p.

Sem poder sair de casa por causa da pata quebrada, Urso Marrom está muito preocupado. Seus amigos, Urso Negro e Urso Branco estão se divertindo sem ele – mas na verdade eles estão preparando uma linda surpresa para o Urso Marrom. 

É interessante observar “de fora” a braveza do Urso Marrom, porque a gente sabe que ele não tem motivo pra ficar bravo. Lendo a história conseguimos perceber que ele não precisava se exaltar, mas as emoções podem ser difíceis de controlar… Quem nunca ficou muito bravo porque tinha alguma certeza e depois descobriu que não era nada daquilo?

“Vamos conversar sobre o que está acontecendo no planeta?”

Por Paula Lisboa

Sabemos que uma rotina bem estruturada é importante para organizar as crianças internamente, e por isso a família toda se esforça para garantir uma programação semanal bem definida: de segunda à sexta as crianças vão pra escola e o final de semana costuma ser dedicado ao lazer, com passeios, encontros sociais e familiares.

Ilustração de Anna Cunha

Eis que de repente da noite pro dia tudo mudou: a escola fechou, não podemos ver os amigos, nem pensar em ir na casa da vó ou do vô. Não dá pra passear por aí sem usar máscara, nem podemos ir ao cinema ou comer num restaurante. Todos fomos impactados, mas para alguns o impacto pode ser ainda maior, pois a medida simplesmente aparece pronta, sem qualquer participação nos eventos que a precederam. Crianças pequenas, e crianças e adolescentes do espectro autista merecem de nós uma dedicação para que ajudá-los a compreender um pouco o que está se passando.

Com esse intuito, ainda no mês de março foi elaborada uma carta pelo Fórum Mineiro de Educação Infantil da FAE/UFMG e o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil e Infâncias – NEPEI, da Faculdade de Educação da UFMG, a Carta às meninas e aos meninos em tempos de Covid-19.

Ilustração de Raquel Matsushita

Ricamente ilustrada por 11 artistas da literatura para a infância, pode-se dizer que o resultado é uma obra de arte. O texto, de autoria de Mônica Correia Baptista, foi inspirado na Carta para los niños y niñas en este momento de crisis, de Carla infanta e Isídora Lobo.

Iniciando a carta com a proposta de “Vamos conversar sobre o que está acontecendo no planeta?” essa pode ser uma ótima leitura para todas as famílias realizarem juntas enquanto estão em casa.

Acesse pelo Instagram: instagram.com/criancasdobrasil
Acesse pelo Issuu: bit.ly/CartaCriançasCovid-19
Baixe o PDF: bit.ly/downloadCartaCrianças

Outras duas produções merecem ser divulgadas nesse momento, focadas especificamente na conscientização e reflexão sobre o autismo (Transtorno do Espectro Autista – TEA), elaboradas pelo Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde Mental.

O primeiro material visa criar uma rede de solidariedade, como parte de um movimento de conscientização do autismo. Traz informações sobre o transtorno e convida à reflexão sobre as particularidades das famílias de crianças e adolescentes com autismo, em meio ao cenário atual. O segundo material é destinado a essas famílias e traz orientações que podem contribuir para o melhor enfrentamento da situação.

É possível acessar ambos os materiais direto na página no Facebook do Laboratório.

E por fim, mas não menos interessante, temos a produção da editora inglesa Nosy Crow, traduzida e também distribuída gratuitamente no Brasil pela editora Brinque-Book, chamada Coronavírus – um livro para crianças.

Em uma produção que juntou especialistas em saúde, profissionais da educação e as divertidas ilustrações de Axel Scheffler, o livro traz explicações simples e diretas a respeito do coronavírus e seu impacto na saúde e no dia a dia de todos nós. As crianças certamente irão reconhecer os traços dos desenhos de Axel Scheffler, ilustrador de livros como O Grúfalo, Macaco Danado, entre outros.

A obra pode ser acessada online ou baixada no computador através do site da editora.

Livro velho, livro novo: livro!

por Paula Lisboa

Agora que estamos em casa sem poder aproveitar a biblioteca pra trocar e indicar livros, a gente tem se virado como pode, aproveitando toda a tecnologia que temos à nossa disposição: fazendo leituras ou indicações de leitura em vídeo, lives com contação de histórias, baixando livros disponíveis em PDF ou aproveitando as opções em e-books.

E justamente nesse momento eu encontrei na minha casa uma coisa linda, uma preciosidade: um livro antigo de quando eu era bem pequena, um livro que eu e minhas irmãs gostávamos tanto, lemos tanto, que ele até ficou destruído, a capa dura caiu e a tentativa de remendo não foi muito bem sucedida. Mas o mais legal é que esse mesmo livro foi reeditado recentemente e distribuído por uma campanha bem feita de leituras de qualidade, de forma que muitas crianças hoje também o conhecem!

Chapeuzinho Amarelo publicado em 1979 pela editora Berlendis & Vertecchia

Se eu disser pra vocês que esse aqui é o “meu” Chapeuzinho Amarelo, acreditem: ele conta exatamente a mesma história do Chapeuzinho Amarelo que vocês conhecem! O texto é o mesmo, escrito pelo Chico Buarque. A diferença é que o livro que eu tinha quando era criança foi feito pela editora Berlendis & Vertecchia em 1979, numa época em que estavam começando a lançar livros escritos e ilustrados especialmente para as crianças. Esse foi um dos primeiros livros lançados pela editora, no mesmo ano de sua fundação e foi a própria fundadora da editora, a designer gráfica Donatella Berlendis, que fez as ilustrações. Mas ao invés de estar escrito que ela fez as “ilustrações”, está escrito que ela fez o “planejamento gráfico” do livro, ou seja, tanto os desenhos como a forma como eles são dispostos nas páginas e a relação com o texto. Isso tudo era uma grande novidade naquela época e logo o livro ganhou indicação de Altamente Recomendável para Crianças e foi um sucesso.

Chapeuzinho Amarelo publicado em 1997 com ilustrações de Ziraldo

Só 18 anos depois, em 1997, foi lançado o mesmo texto do Chico Buarque dessa vez feito por outra editora e com desenhos de outro ilustrador. Agora a editora passou a ser a José Olympio e quem ilustrou a história foi o Ziraldo, autor e ilustrador que já tinha bastante reconhecimento por seu trabalho naquela época. Essa é a versão da Chapeuzinho Amarelo que a maioria de vocês conhece.

A história pode ser a mesma, mas pra mim é muito mais gostoso ler o livro que eu lia quando era pequena, pois é como se eu enxergasse o livro com olhos de criança. Além das ilustrações terem estilos bem diferentes – a ponto de muita gente se debruçar a estudar e escrever trabalhos de pesquisa comparando as duas versões -, pra mim a maior diferença está mesmo na memória afetiva, na lembrança carinhosa.

E nesse momento eu confirmo: não tem e-book, PDF ou vídeo de história que seja capaz de substituir a relação tão especial que temos com um livro em papel, que depois de virado tantas vezes pelas mãos ágeis da criança pode até rasgar, mas continua inteiro e vivo na memória do dedos, dos olhos, dos ouvidos e até do nariz – ou vai dizer que você não sente o cheiro do seu livro preferido?

Aqui nesse link você pode assistir a leitura que eu fiz do livro!

Lobo desenhado só com o contorno, na edição de 79 com projeto gráfico de Donatella Berlendis

Lobo medonho ilustrado pelo Ziraldo, nas publicações de 97 em diante

Essa era minha parte preferida e única ilustração colorida em todo o livro!


BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. Rio de Janeiro: Berlendis & Vertecchia, 1979.

BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.

Ônibus, de Marianne Dubuc

André Neves

Olá!

Seguimos com a apresentação de perfis das nossas escritoras e escritores. Hoje temos o caso de um ilustrador que sempre escreveu, com outros autores ou sozinho, histórias muito poéticas e que trazem muitas reflexões. Trata-se do pernambucano, radicado em Porto Alegre, André Neves.

Ele nasceu em 1973, em Recife e se formou em Relações Públicas e em Artes Plásticas.

De 1997, quando lançou seu primeiro livro como ilustrador, já ganhou duas vezes o Prêmio Jabuti (que premia a excelência em produção literária nacional), uma em 2011 pela categoria Infantil, com o livro Obax e a outra em 2013, pela categoria Ilustração de Livro Infantil e Juvenil, com o livro Tom.

Suas ilustrações brincam muito com o brincar e conversam bastante com o texto das criações das histórias. Sua infância em Recife parece trazer muitas referências para seus livros.

Em 2004 recebeu ainda o “Prêmio Açorianos” de melhor ilustração. E também recebeu por parte de sua obra selos “Altamente Recomendável”, concedidos pela FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil).

Ele tem um blog (que não é atualizado desde 2013) que tem informações de livros que ele fez, homenagens que recebeu, outros prêmios que ganhou e ilustrações que não estão em livros.

Temos em nossas bibliotecas 34 títulos deste autor, 19 em que ele aparece como ilustrador ou co-autor e 15 em que ele é o autor principal.

Ei-los:

Antonia, de Anke de Vries e Piet Grobler