Por Paula Lisboa
Ao longo de sua obra, Tchekhov retratou como ninguém a tragédia do trivial, o drama permanente da vida cotidiana, mostrando aos homens o terrível caos de sua existência passageira e sem importância, explorando a realidade burguesa e expressando sua preocupação com a inação da classe média provinciana. Preocupado em mostrar o drama da trivialidade, Tchekhov nos apresenta uma sucessão de quadros registrando acontecimentos da vida de suas personagens, sem se preocupar com a construção dramática tradicional, segundo a qual deve haver o desenvolvimento de uma ação até seu clímax e desfecho. O autor sequer estabelece um conflito declarado, apresentando apenas as diferentes impressões das personagens, em que muita coisa fica apenas nas entrelinhas, ou melhor, no subtexto que deve preencher o silêncio. E o silêncio, longe de ser apenas um detalhe, é um elemento fundamental nas peças de Tchekhov, muitas vezes mais significativo que as próprias palavras.
O enredo de As três irmãs é muito simples, basicamente girando em torno da vida de três irmãs que sonham em voltar para Moscou, de onde têm lembranças felizes da infância. Com o decorrer da peça, a inação da vida provinciana e a inércia que toma conta de seu cotidiano acabam por impedir qualquer tentativa de realização desse projeto. Durante toda a trama, as irmãs, seu irmão e a cunhada, além de alguns oficiais militares que frequentam a casa conversam para passar o tempo, discursando banalidades aparentemente superficiais. No entanto, o subtexto sustenta a força do diálogo de Tchekhov, que escolhe as palavras e constrói suas frases de modo a deixar sob máscaras o verdadeiro sentido de suas falas. As personagens põem em discussão a razão da existência humana, mas com todo o cuidado do autor de não cair em nenhuma “pregação ideológica”.
Ao fim da leitura de um enredo tão simples, é incrível constatar que nossos olhos se enchem de lágrimas. O envolvimento com a vida dessas personagens é inevitável, tamanha humanidade e fragilidade com que são traçadas. Sentimos a impotência do ser humano diante do rumo de sua própria vida. E não se trata de uma impossibilidade de ação necessariamente imposta por um regime político rigoroso ou por uma sociedade sufocante, a inação é quase que opção de vida de todos eles, que não vivem, mas deixam-se viver, entregando-se mais e mais à inércia, como se fossem levados pela correnteza de um rio. É uma peça triste, onde as personagens dão pequenas “dicas” de seus maiores desejos, mas não têm coragem e força de vontade de realizá-los. Apenas sabem que “É preciso viver”.
TCHEKHOV, Anton. As três irmãs. Trad.: Clara Gourianova. São Paulo: Peixoto Neto.