Por Angela Müller de Toledo
Indicar um livro de Ray Bradbury, principalmente uma coletânea de contos já publicados em outras obras, pode parecer redundância. Milhares de pessoas em todo o mundo são apaixonadas por suas histórias fantásticas, bizarras e na maioria das vezes ternas e com um profundo sentido humanista. Sim, porque mesmo quando ele fala de um marciano, é da natureza humana que se trata. Em textos profundamente metafóricos, penetrando no íntimo de seus personagens, o que está por trás das paisagens descritas minuciosamente e das relações pessoais mais corriqueiras é a crítica ao mundo contemporâneo.
No prefácio deste livro, Carlos Vogt ressalta o caráter melancólico da escrita de Bradbury, a melancolia como valor estético, aquele sentimento de incompletude e saudade de algo não muito bem definido.
Difícil dizer qual o conto preferido, O Homem Ilustrado, que fez parte da minha juventude na forma de um livro com vários outros contos ligados pela mesma ideia: um corpo completamente tatuado, que carrega as imagens de um futuro nada agradável. As prosaicas velhinhas de Uma pequena viagem, que usam suas economias para embarcar em um foguete para encontrar Deus? Ou a belíssima relação de afeto e cumplicidade que se estabelece entre um velho e um menino entediado em A autêntica múmia egípcia feita em casa?
Há muito tempo andava afastada dos relatos poéticos de Badbury, de sua ironia fina, do medo profundo que os enredos às vezes causam, das ideias brilhantes que nos fazem pensar “de onde ele tirou isso?” e de sua temática futurista que sempre me atraiu. No entanto, ao revisitá-lo nesta coletânea, tudo o que descrevi acima voltou envolvido por intensa emoção. Pretendo assim justificar mais uma resenha enaltecendo quem já foi elogiado por Borges e mereceu versos de Mário Quintana cujo trecho transcrevo a seguir: “Ray Bradbury é a nossa segunda vovozinha velha que nos vai desfiando suas histórias à beira do abismo – e nos enche de susto, esperança e amor.”
BRADBURY, Ray. A cidade inteira dorme e outros contos breves. Trad. Deisa Chamahum Chaves. São Paulo: Globo, 2008.