Por Paula Lisboa
Dia 25 de novembro estive com as turmas do Infantil 1CB e Infantil 2BB para fazer a leitura do livro Benedito, de Josias Marinho (Ed. Caramelo), como parte da programação de letramento racial promovida pelo Núcleo de Ações Antirracistas de famílias da Vila.
Optei por não contextualizar para as crianças a leitura como sendo parte da programação da Semana da Consciência Negra. Começamos sentados em roda e contei a história do meu nome, que ganhei em homenagem ao meu avô. Assim, introduzimos a ideia de família e ancestralidade, dizendo que carregamos em nós um pouquinho de cada um e cada uma da nossa família que veio antes da gente.
Iniciei a leitura do livro projetado no telão a partir da dedicatória com Vivas a São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia. Cantei a abertura de um congo e contei que essa é uma festa onde tem tambor.
Eis que o Benedito encontra um tambor, o que ele sente?
“Vontade de tocar!”
“Eu acho que ele está se lembrando de alguém da família dele que tinha um tambor.”
“Ele está de olho no tambor, e com mais vontade ainda de tocar.”
“Ele tá encarando o tambor pra criar coragem de pegar!”
Nas próximas páginas Benedito se aproxima e as ideias continuam: “Eu acho que ele já encontrou a festa, mas pra entrar precisa ter um instrumento!” e conforme as páginas avançam, algumas crianças acharam que Benedito estava crescendo, ficando mais velho. Também sugeriram que ele se concentrou para conseguir levantar o tambor e andar com ele para outro lugar.
Quando Benedito se arrisca a tocar o tambor, bolinhas azuis surgem na página, e as crianças levantam ideias sobre o que elas podem ser: “eu acho que ta soltando a tinta do tambor” ou “será que são fogos da festa?”. Até que alguém organiza as tantas ideias lançadas dizendo: “Já sei, são os barulhos que o tambor fez!” e seguem “Quando ele toca o instrumento, saem as bolinhas.”, “Já que a gente não consegue ouvir nada, a gente consegue ver!”.
Quando Benedito começa seu processo de escurecimento, as crianças se deparam com o enigma do menino sendo “pintado” de preto. Pensaram que ele devia estar pintado de branco, tomou chuva e a tinta saiu; ou que as bolinhas do som do tambor são de tinta e estão pintando ele… “Enquanto tocou tambor, começou a chover.” As páginas vão passando e Benedito está cada vez mais preto, até que uma mão entrega pra ele mais um instrumento musical. “A pessoa que deu pra ele também tá com a mão, é…” é difícil pra criança dizer que ele tem a mão preta, eu ajudo confirmando: “tem a mão preta, né?”
E prontamente concluem: “Ah deve ser o pai!”, “Ou a mãe”, “Pode ser o vô…”
“Ei, pode ser que ele só se pintou de branco e aí a cor dele de verdade apareceu.”
“A família dele é preta!”
“Então não era tinta?”
A cor está definida, Benedito é um menino negro. Ao que uma garotinha branca de mão levantada há tempos esperando pra falar, finalmente ganha a palavra e diz:
“Ele pode ter se esquecido da cor, aí quando ele começa a tocar o tambor, ele foi descobrindo a cor dele!”
Possivelmente ela chegou a essa ideia fazendo relação com o livro A Menina Que Nasceu Sem Cor (um livro de Midria; ilustrado por Ana Teixeira. Ed. Jandaíra), lido pela professora na semana anterior e lembrado por ela durante a leitura. E assim fica evidente a importância de serem feitas várias leituras que se relacionam e reforçam as ideias levantadas.
Ao final do livro mais uma dúvida surge: ele ganha uma saia e veste a saia, então ele deve ser uma menina! Rapidamente diversas vozes protestam: “mas menino também pode usar saia!” e “Menino ou menina pode usar o que quiser!”.
Lembro de voltar ao livro. Afinal, como se chama essa história mesmo? “Benedito”. Se esse é o nome dele, então é mesmo um menino.
E agora vou mostrar pra vocês que não é só ele que usa saia nessa festa chamada Congada, onde dá pra ver que a maioria das pessoas também é negra, como o Benedito, e todos vestem saia, alguns tocam tambor, outros trazem o chocalho na canela, como no livro.
Conto pras crianças que essa é uma festa para coroar os reis do Congo, um reino africano. Conto que foram os negros que criaram essa festa, com ideias trazidas da África e reinventadas no Brasil. Mostro as imagens do Rei e da Rainha sendo coroados em festa e procissão, mostro também o autor do livro, um homem negro. Então uma criança grita com convicção:
“É por isso que os negros são importantes!”
As crianças dançam imitando os brincantes do vídeo de congada.
Seguimos plantando sementinhas e regando as mudas.