O senhor dos quebra-nozes

Por Angela Müller de Toledo
A história contada neste livro começa em 1914 na cidade de Londres e tem como protagonista um menino chamado Johnny, filho de um exímio fabricante de brinquedos.

O pai fizera para ele um exército de trinta soldadinhos talhados em madeira que eram o xodó do garoto.

Quando a primeira guerra mundial estourou, Johnny tinha dez anos e seu pai, James Briggs, alistou-se em meio à euforia patriótica e à crença de que o conflito seria rápido. Foi mandado ao front ocidental de onde enviava cartas detalhadas para o filho e brinquedos que manufaturava durante as longas noites de vigília nas trincheiras.

As primeiras cartas eram animadas mas, aos poucos, os horrores das batalhas vão se tornando evidentes, tanto pelo conteúdo delas quanto pelos brinquedos recebidos. Estes chegavam cada dia mais toscos, imperfeitos, levando a narrativa a um tom dramático.

Nesse meio tempo a mãe do menino resolve mandá-lo para o interior, pois permanecer em Londres tornara-se muito perigoso. No jardim da casa de tia Ivy, Johnny arma seu campo de batalhas para os soldadinhos que ganhara do pai.

Narrada em primeira pessoa, esta história alterna o relato da guerra real, através das cartas do soldado inglês, e o relato das batalhas que seu filho trava com os soldadinhos de brinquedo. A partir de certo momento, fantasia e realidade se misturam na cabeça do menino e o que o leitor vê é a guerra dos adultos invadindo o jogo das crianças.

Inesperadamente entra em cena um personagem importante para a história: um velho professor que se torna amigo do garoto e oferece a ele a “Ilíada” que logo Johnny começa a ler. Desse modo, estão postas em paralelo a guerra real, com seus dados históricos, a guerra travada no jardim por bonecos de madeira, e a guerra de Tróia descrita pela literatura.

Porém, a essas alturas, a perda e a morte já deixaram suas marcas no garoto, assim como a irracionalidade do mundo dos adultos. Johnny questiona-se sobre o papel de Deus em tudo isso e, gradativamente, vai perdendo a inocência e compreendendo a diferença entre suas brincadeiras e a guerra que atinge sua família e amigos. Seus sentimentos e sua interpretação dos fatos mudam completamente no decorrer da narrativa.

Não se trata de um livro ameno, mas é muito bonito. Traz o tema dos grandes conflitos bélicos para o campo pessoal, em que a verdadeira dimensão da guerra é percebida através de indivíduos comuns, adultos e crianças. No entanto, o maior mérito deste autor é ter conseguido fazer uma história ao mesmo tempo contundente e delicada, densa e sutil, triste, mas encantadora.

 

LAWRENCE, Iain. O senhor dos quebra-nozes. Trad. Heitor Pitombo. Rio de Janeiro, Rocco, 2003.