“Vamos conversar sobre o que está acontecendo no planeta?”

Por Paula Lisboa

Sabemos que uma rotina bem estruturada é importante para organizar as crianças internamente, e por isso a família toda se esforça para garantir uma programação semanal bem definida: de segunda à sexta as crianças vão pra escola e o final de semana costuma ser dedicado ao lazer, com passeios, encontros sociais e familiares.

Ilustração de Anna Cunha

Eis que de repente da noite pro dia tudo mudou: a escola fechou, não podemos ver os amigos, nem pensar em ir na casa da vó ou do vô. Não dá pra passear por aí sem usar máscara, nem podemos ir ao cinema ou comer num restaurante. Todos fomos impactados, mas para alguns o impacto pode ser ainda maior, pois a medida simplesmente aparece pronta, sem qualquer participação nos eventos que a precederam. Crianças pequenas, e crianças e adolescentes do espectro autista merecem de nós uma dedicação para que ajudá-los a compreender um pouco o que está se passando.

Com esse intuito, ainda no mês de março foi elaborada uma carta pelo Fórum Mineiro de Educação Infantil da FAE/UFMG e o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil e Infâncias – NEPEI, da Faculdade de Educação da UFMG, a Carta às meninas e aos meninos em tempos de Covid-19.

Ilustração de Raquel Matsushita

Ricamente ilustrada por 11 artistas da literatura para a infância, pode-se dizer que o resultado é uma obra de arte. O texto, de autoria de Mônica Correia Baptista, foi inspirado na Carta para los niños y niñas en este momento de crisis, de Carla infanta e Isídora Lobo.

Iniciando a carta com a proposta de “Vamos conversar sobre o que está acontecendo no planeta?” essa pode ser uma ótima leitura para todas as famílias realizarem juntas enquanto estão em casa.

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Outras duas produções merecem ser divulgadas nesse momento, focadas especificamente na conscientização e reflexão sobre o autismo (Transtorno do Espectro Autista – TEA), elaboradas pelo Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde Mental.

O primeiro material visa criar uma rede de solidariedade, como parte de um movimento de conscientização do autismo. Traz informações sobre o transtorno e convida à reflexão sobre as particularidades das famílias de crianças e adolescentes com autismo, em meio ao cenário atual. O segundo material é destinado a essas famílias e traz orientações que podem contribuir para o melhor enfrentamento da situação.

É possível acessar ambos os materiais direto na página no Facebook do Laboratório.

E por fim, mas não menos interessante, temos a produção da editora inglesa Nosy Crow, traduzida e também distribuída gratuitamente no Brasil pela editora Brinque-Book, chamada Coronavírus – um livro para crianças.

Em uma produção que juntou especialistas em saúde, profissionais da educação e as divertidas ilustrações de Axel Scheffler, o livro traz explicações simples e diretas a respeito do coronavírus e seu impacto na saúde e no dia a dia de todos nós. As crianças certamente irão reconhecer os traços dos desenhos de Axel Scheffler, ilustrador de livros como O Grúfalo, Macaco Danado, entre outros.

A obra pode ser acessada online ou baixada no computador através do site da editora.

Livro velho, livro novo: livro!

por Paula Lisboa

Agora que estamos em casa sem poder aproveitar a biblioteca pra trocar e indicar livros, a gente tem se virado como pode, aproveitando toda a tecnologia que temos à nossa disposição: fazendo leituras ou indicações de leitura em vídeo, lives com contação de histórias, baixando livros disponíveis em PDF ou aproveitando as opções em e-books.

E justamente nesse momento eu encontrei na minha casa uma coisa linda, uma preciosidade: um livro antigo de quando eu era bem pequena, um livro que eu e minhas irmãs gostávamos tanto, lemos tanto, que ele até ficou destruído, a capa dura caiu e a tentativa de remendo não foi muito bem sucedida. Mas o mais legal é que esse mesmo livro foi reeditado recentemente e distribuído por uma campanha bem feita de leituras de qualidade, de forma que muitas crianças hoje também o conhecem!

Chapeuzinho Amarelo publicado em 1979 pela editora Berlendis & Vertecchia

Se eu disser pra vocês que esse aqui é o “meu” Chapeuzinho Amarelo, acreditem: ele conta exatamente a mesma história do Chapeuzinho Amarelo que vocês conhecem! O texto é o mesmo, escrito pelo Chico Buarque. A diferença é que o livro que eu tinha quando era criança foi feito pela editora Berlendis & Vertecchia em 1979, numa época em que estavam começando a lançar livros escritos e ilustrados especialmente para as crianças. Esse foi um dos primeiros livros lançados pela editora, no mesmo ano de sua fundação e foi a própria fundadora da editora, a designer gráfica Donatella Berlendis, que fez as ilustrações. Mas ao invés de estar escrito que ela fez as “ilustrações”, está escrito que ela fez o “planejamento gráfico” do livro, ou seja, tanto os desenhos como a forma como eles são dispostos nas páginas e a relação com o texto. Isso tudo era uma grande novidade naquela época e logo o livro ganhou indicação de Altamente Recomendável para Crianças e foi um sucesso.

Chapeuzinho Amarelo publicado em 1997 com ilustrações de Ziraldo

Só 18 anos depois, em 1997, foi lançado o mesmo texto do Chico Buarque dessa vez feito por outra editora e com desenhos de outro ilustrador. Agora a editora passou a ser a José Olympio e quem ilustrou a história foi o Ziraldo, autor e ilustrador que já tinha bastante reconhecimento por seu trabalho naquela época. Essa é a versão da Chapeuzinho Amarelo que a maioria de vocês conhece.

A história pode ser a mesma, mas pra mim é muito mais gostoso ler o livro que eu lia quando era pequena, pois é como se eu enxergasse o livro com olhos de criança. Além das ilustrações terem estilos bem diferentes – a ponto de muita gente se debruçar a estudar e escrever trabalhos de pesquisa comparando as duas versões -, pra mim a maior diferença está mesmo na memória afetiva, na lembrança carinhosa.

E nesse momento eu confirmo: não tem e-book, PDF ou vídeo de história que seja capaz de substituir a relação tão especial que temos com um livro em papel, que depois de virado tantas vezes pelas mãos ágeis da criança pode até rasgar, mas continua inteiro e vivo na memória do dedos, dos olhos, dos ouvidos e até do nariz – ou vai dizer que você não sente o cheiro do seu livro preferido?

Aqui nesse link você pode assistir a leitura que eu fiz do livro!

Lobo desenhado só com o contorno, na edição de 79 com projeto gráfico de Donatella Berlendis

Lobo medonho ilustrado pelo Ziraldo, nas publicações de 97 em diante

Essa era minha parte preferida e única ilustração colorida em todo o livro!


BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. Rio de Janeiro: Berlendis & Vertecchia, 1979.

BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.

Ônibus, de Marianne Dubuc

Os Príncipes Transformados em Pedra, uma história da Índia

por Paula Lisboa

Eunice de Souza (1940–2017), poeta, novelista e crítica literária indiana.

Esta história é um dos dez contos presentes no livro Histórias da Índia, de Eunice de Souza. Pelo sobrenome pode parecer que a autora é brasileira, mas ela nasceu em Pune, na Índia, e tem esse nome pois faz parte de uma das muita famílias indianas que foram batizadas católicas há quatrocentos anos atrás, em um momento histórico de invasão desse país. A religião principal da Índia é o hinduísmo, mas existem também algumas outras, pois a Índia é um país muito diverso, composto de diferentes povos, cada um com seus hábitos, costumes, crenças e histórias.

Nesse livro, a autora traz contos tradicionais de diferentes povos e regiões, que assim como os nossos contos populares, que vocês já conhecem bem, também foram contados de boca em boca através das gerações, de forma que não sabemos mais ao certo quem inventou, nem quando. Em cada história narrada, a autora situa de que região é aquela história e destaca aspectos da cultura indiana que podem ser observados a partir daquele conto.

A história Os Príncipes Transformados em Pedra, por exemplo, vem da região do Himalaia, e nela podemos perceber que os indianos acreditam que qualquer pessoa pode ser um sábio, seja ele um príncipe ou um simples iogue, seja ele um rei ou um barbeiro (como aparece em outra história presente no livro, chamada Gopal e o Nababo). No conto, os príncipes são punidos por não saberem usar a inteligência, tão necessária para tornarem-se pessoas úteis para seu povo. Não adianta serem príncipes herdeiros, eles precisam também desenvolver a sabedoria. Quem vai oferecer esse ensinamento para eles é um iogue, ou seja um praticante de ioga. Hoje para nós ioga é uma prática de exercício físico e mental, usada por muita gente, mas os antigos praticantes de ioga, na Índia, eram chamado de siddhas (perfeitos) pois exercitavam a mente com tanta regularidade que todos acreditavam que fossem dotados de muita sabedoria e capazes de usar o poder da mente para controlar a natureza.

Esse é um dos contos indianos que traz ensinamentos para nós, sobre a importância de cuidarmos bem de nossa saúde, sobre a ambição exagerada que traz peso ao invés de completude, sobre a extravagância que pode nos esvaziar a ponto de ficarmos sem nada…

Mas principalmente ela traz a tranquilidade que as boas histórias nos trazem, histórias que nos levam a outros cantos do mundo, com feitos e referências que nos complementam e ampliam nosso olhar para a existência.

Convido você a ouvir a leitura que fiz desse conto no podcast Critique em um Instante.


SOUZA, Eunice de. Histórias da Índia. São Paulo: SM, 2009. 63 p. (Cantos do mundo).

Roald Dahl

Roald Dahl é um dos nossos escritores preferidos!

Você sabia que ele, além de criar tantos personagens que vivem conosco desde a infância, trabalhou em uma petrolífera na África, foi roteirista para televisão e cinema e pilotou caças durante a Segunda Guerra Mundial?

Pois então! Mas vamos do começo…


Roald Dahl nasceu em 1916, no País de Gales, país que faz parte do Reino Unido. Filho de pais noruegueses, recebeu seu nome em homenagem ao explorador norueguês Roald Amundsen (que fez parte da primeira expedição ao Polo Sul!).

Em meados de 1930 começou a trabalhar na empresa petrolífera Shell, ainda no Reino Unido, mas logo foi ao Quênia, Tanzânia, entre outros países africanos trabalhar com o abastecimento de petróleo nessas regiões.

Em 1939, no início da 2º Guerra Mundial, Dahl ingressou na Royal Air Force. Realizou treinamentos, dirigiu caças em missões, sofreu um acidente em uma queda de um avião (que quase lhe custou a visão!), trabalhou na inteligência e deixou o serviço como Líder de Esquadrão.

Após essa turbulenta parte da vida, começa a escrever e é aqui que temos a seção que mais nos interessa.

Desde “Os Gremlins”, de 1943 (seu primeiro livro infantil que tem uma adaptação para o cinema com uma história bem diferente da do livro) a “Os Minpins”, lançado em 1991, seus livros nos encantam por muitos motivos. Grande parte deles são escritos sob o ponto de vista de uma criança. E isso torna os livros muito mais divertidos.

Nesses quase 50 anos de escrita, de ficção a poesia, Dahl nos trouxe personagens muito marcantes como Charlie Bucket e Willy Wonka, o senhor e a senhora Peste, o senhor Raposo, Jorge e seu remédio para a avó e Matilda, entre muitos outros.

Além disso também escreveu contos para adultos e participou de roteiros de alguns filmes para cinema e TV (adaptados de obras suas ou não), entre eles a série “Alfred Hitchcock Presents” (1955-1962) e o filme “Com 007 Só Se Vive Duas Vezes” (1967).

Faleceu aos 74 anos, em 1990, esse grande contador de histórias que, em 2008, ganhou um prêmio com seu nome (o Roald Dahl Funny Prize) para premiar ficções infantis bem-humoradas 🙂

Temos, em nossas bibliotecas, muitos livros traduzidos para o português e alguns no original, em inglês:

 

André Neves

Olá!

Seguimos com a apresentação de perfis das nossas escritoras e escritores. Hoje temos o caso de um ilustrador que sempre escreveu, com outros autores ou sozinho, histórias muito poéticas e que trazem muitas reflexões. Trata-se do pernambucano, radicado em Porto Alegre, André Neves.

Ele nasceu em 1973, em Recife e se formou em Relações Públicas e em Artes Plásticas.

De 1997, quando lançou seu primeiro livro como ilustrador, já ganhou duas vezes o Prêmio Jabuti (que premia a excelência em produção literária nacional), uma em 2011 pela categoria Infantil, com o livro Obax e a outra em 2013, pela categoria Ilustração de Livro Infantil e Juvenil, com o livro Tom.

Suas ilustrações brincam muito com o brincar e conversam bastante com o texto das criações das histórias. Sua infância em Recife parece trazer muitas referências para seus livros.

Em 2004 recebeu ainda o “Prêmio Açorianos” de melhor ilustração. E também recebeu por parte de sua obra selos “Altamente Recomendável”, concedidos pela FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil).

Ele tem um blog (que não é atualizado desde 2013) que tem informações de livros que ele fez, homenagens que recebeu, outros prêmios que ganhou e ilustrações que não estão em livros.

Temos em nossas bibliotecas 34 títulos deste autor, 19 em que ele aparece como ilustrador ou co-autor e 15 em que ele é o autor principal.

Ei-los:

Antonia, de Anke de Vries e Piet Grobler

O ônibus de Rosa

por Paula Lisboa

A história desse livro é contada em dois tempos, como uma história dentro de outra. O livro começa com o passeio de um menino e seu avô ao museu da marca de carros Ford. No começo o menino não entende porque seu avô está tão interessado em ônibus e carros, mas logo tudo é explicado, quando começa a história dentro da história.

Eles entram juntos em um dos ônibus do museu e o avô conta que aquele é o ônibus de Rosa, fazendo referência à ativista negra norte-americana Rosa Parks. Toda a história contada pelo avô traz muitas referências da triste realidade vivida pelos negros norte americanos até o ano de 1956, quando a Suprema Corte dos EUA decidiu que a segregação racial em locais públicos nos EUA era ilegal, uma vitória do movimento negro na conquista de direitos civis.

Antes disso, como é mostrado na história, as pessoas de pele negra eram separadas das pessoas de pele branca, não podendo estar juntos na escola, em restaurantes, em bancos de praça, no transporte público… Especialmente nos estados do sul dos EUA existiam lugares divididos para brancos e para negros, e nos ônibus as pessoas negras eram obrigadas a ceder seu lugar caso entrasse uma pessoa branca e não tivesse mais lugar pra sentar.

Até o dia em que uma mulher negra cansada de se sentir humilhada – além de cansada de um dia inteiro de trabalho – disse não e recusou-se a levantar do seu lugar, com firmeza e convicção. Essa mulher era a Rosa Parks, e o avô do menino presenciou a cena, pois estava voltando do trabalho no mesmo ônibus que ela. Ele conta que a mulher foi levada pela polícia e presa, mas não foi em vão: o acontecido provocou um movimento de boicote ao transporte público por parte dos negros da cidade, o que gerou bastante prejuízo para as empresas de ônibus. Um ano depois, foi proibida de vez a separação entre pessoas negras e brancas nos transportes públicos do país.

Esse livro traz uma linda história de convivência e troca de experiências entre um avô e um neto, e só por isso já valeria a pena ser lido. Mas além disso, de um jeito poético, de leitura agradável e com lindas ilustrações, ele traz pra gente informações e reflexões sobre um passado não tão distante de nós, quando os seres humanos eram ainda mais intolerantes entre si. Se você tiver a chance de ler esse livro na companhia de um adulto, pode conversar com ele sobre as tantas referências de eventos da realidade que aparecem na história, e assim aumentar seu conhecimento do mundo.

O ônibus de Rosa / Fabrizio Silei, Maurizio A. C. Quarello; tradução Maurício Santana Dias. São Paulo: Edições SM, 2011.


Se ficou com curiosidade para conhecer a verdadeira Rosa Parks e a história que inspirou este livro, eu recomendo a matéria Há 64 anos, Rosa Parks recusava-se a entregar seu lugar no ônibus para um homem branco, publicada na revista Aventuras na História.

Você também pode ouvir a leitura que eu fiz do livro inteiro para o podcast Critique em um instante: Aproveite para ler – O ônibus de Rosa, lido por Paula Lisboa

E para terminar, há um completo Guia de Leitura para o Professor elaborado pela editora do livro no Brasil.