A espada na pedra

Por Angela Müller de Toledo
O escritor T. H. White nasceu na Índia em 1906, foi educado na Inglaterra e tornou-se mundialmente conhecido graças à sua versão da história do rei Arthur, intitulada O único e eterno rei.  No Brasil a obra foi publicada em cinco volumes, à semelhança da edição original inglesa lançada a partir de 1938. O primeiro livro da série é o que recomendo no momento e chama-se A espada na pedra.

Nesta primeira parte o que se conta é a infância de Arthur, que vivia às margens de uma grande floresta da Velha Inglaterra sob a proteção de Sir Ector, seu padrasto, e tendo o mago Merlin como tutor. O menino era chamado de Wart e não tinha a menor ideia de suas origens, muito menos do que lhe reservava o futuro.

O tom geral deste primeiro volume é de humor, que aparece principalmente na caracterização do mago. Merlin é todo atrapalhado, pois vive de trás pra frente. Isto quer dizer que ele fica mais jovem a cada ano e que conhece o futuro. O bruxo fala com naturalidade sobre coisas que ainda não foram inventadas, como a água encanada, a cirurgia plástica e a psicanálise. O autor abusa dos anacronismos não só através de Merlin, mas o tempo todo. Em determinado momento ele faz surgir no meio da narrativa o personagem Robin Hood, que pertence a outra história e a um momento diferente da literatura inglesa.

Tudo isso causa certa estranheza, mas logo o leitor entra no “clima” e se diverte com as situações absurdas.

T.H. White é o responsável pela popularização da saga do rei Arthur e influenciou grandes escritores como C. S. Lewis em As crônicas de Nárnia e Tolkien em O senhor dos anéis. Não há como negar a grande semelhança entre os magos Merlin e Gandalf, por exemplo.

O livro termina quando morre Uther Pedragon, rei da Inglaterra e verdadeiro pai de Wart, e o rapaz tira a espada da pedra tornando-se rei.

As belíssimas ilustrações de Alan Lee, responsável também pelo universo visual de O senhor dos anéis, enriquecem a leitura dessa história clássica.

 

WHITE, T. H. A espada na pedra. Ilust. Alan Lee. Trad. Maria José Silveira. São Paulo: W11, 2004.

O fazedor de velhos

Por Angela Müller de Toledo
Pedro está em crise, é um jovem de 17 anos, não tem uma auto-imagem muito favorável, sofre por uma grande decepção amorosa e, além de tudo, pensa ter escolhido a faculdade errada.

Uma série de coincidências faz com que seu caminho se cruze com o de um velho professor aposentado chamado Nabuco e, por incrível que pareça, esse encontro é benéfico para os dois.

É claro que o professor não soluciona os problemas de Pedro, mas a amizade mexe com seus sentimentos, transforma seu cotidiano e abre novas perspectivas em sua vida.

Também é claro que Pedro não é uma pessoa acomodada, que espera que as coisas aconteçam por si só, ao contrário, é um personagem que aceita os desafios.

Poucas ilustrações, mas muito delicadas, estão em estreita integração com o texto.

Vale a pena conferir.

 

LACERDA, Rodrigo. O fazedor de velhos. Ilust. Adrianne Gallinari. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

Sandman: noites sem fim

Por Angela Müller de Toledo
Sandman, ou homem-areia, é um personagem originalmente criado por Hans Christian Andersen para a narrativa que no Brasil foi intitulada “O Velho-do-Sono”.

No conto de Andersen, o velho-do-sono sopra areia nos olhos das crianças para fazê-las dormir, é uma espécie de contador de histórias que beneficia as crianças boas com sonhos bons e castiga as más fazendo-as ter um sono pesado e sem sonhos.

O quadrinista inglês Neil Gaiman partiu dessa figura, expandiu a ideia e criou roteiros de histórias em quadrinhos que misturam fantasia, terror e mistério em enredos intrincados e cheios de referências literárias e filosóficas.

Sandman, também chamado de Sonho, ou pelo seu nome grego Morpheus, pertence à família dos Perpétuos e tem seis irmãos: Destino, o mais velho de todos; Morte a personagem mais querida da maioria dos leitores da série; Desejo, uma figura andrógena que Sandman chama de “irmão-irmã”; Desespero; Destruição; e Deleite, a caçula da família, que mais tarde se transformará e será renomeada como Delirium. Cada um desses personagens representa uma condição humana e protagoniza histórias ligadas a esses grandes temas.

Noites sem fim traz sete contos desenhados por sete artistas diferentes, um para cada irmão dos Perpétuos, e é difícil dizer qual é o melhor. Talvez a história preferida seja a primeira, que traz a bela e gótica Morte desenhada por Craig Russell. Ou pode ser que a arte de Miguelanxo Prado, no belíssimo “O coração de uma estrela”, atraia mais a atenção do leitor. No entanto, a história mais impressionante pela beleza plástica e pungência é, sem dúvida, “Quinze retratos de Desespero”, com ilustrações de Barron Storey e design do conhecido Dave McKean. Há uma história inteira em cada quadro e todos os detalhes têm seu valor para a compreensão do todo. São imagens eloquentes que sintetizam com maestria este difícil tema.

Na introdução assinada pelo autor há uma explicação a respeito dos personagens que é bastante esclarecedora: “se este é o seu primeiro encontro com Sandman, é interessante entender que os Perpétuos não são deuses, pois quando as pessoas param de acreditar nos deuses eles deixam de existir. Mas enquanto houver pessoas para viver, sonhar, destruir, desejar, se desesperar, se deleitar ou enlouquecer, viver suas vidas e gostar umas das outras, então existirão os Perpétuos executando suas funções. Eles não se importam nem um pouco se você crê ou não neles.”

Imperdível para aqueles que já gostam do gênero e uma boa oportunidade para os que desejam conhecer uma obra-prima das histórias em quadrinhos.

GAIMAN, Neil. Sandman: noites sem fim. Ilust. Glenn Fabry et al. Trad. Sérgio Codespoti. São Paulo: Conrad, 2003.

Kafka e a boneca viajante

Por Angela Müller de Toledo
O livro que recomendo em seguida é próprio para aqueles que já se encontram a certa distância da infância para melhor apreciá-lo.

O autor cria, a partir de indícios reais, a história do encontro do escritor Franz Kafka e uma menina que perdeu sua boneca. Para acalmá-la de sua tristeza Kafka redige uma série de cartas supostamente mandadas pela boneca à sua dona.

O livro é profundo porque na realidade conta sobre um deprimido e doente escritor diante do desespero genuíno de uma criança desconhecida, e sobre a relação que se estabelece entre eles. Kafka fica encantado com a ingenuidade da menina e, pela primeira vez, inventa uma história com destino certo. Também trata do processo de superação da perda propiciado pelo enredo contido nas cartas.
Enfim, um texto fluido, rápido, encantador.

FABRA, Jordi Sierra i. Kafka e a boneca viajante. Ilust. Pep Montserrat. Trad. Rubia P. Goldoni. São Paulo: Martins, 2008.

O nervo da noite

Por Angela Müller de Toledo
Você quer um conto bem pequeno e lindo? Leia O nervo da noite. Mas aviso: não espere aquela historinha linear, sem dificuldades, com final bem marcadinho e comum. Na verdade, trata-se de um “conto-poema”, uma imagem de adolescente em crescimento, uma ideia de relação com a vida. Mas também não se assuste com esta interpretação, pois dá perfeitamente para entender o texto. É assim que escrevem os grandes autores: temas universais, linguagem trabalhada, leitura que inspira e permanece na mente e no coração.

NOLL, João Gilberto. O nervo da noite. Ilustração Alexandre Matos. São Paulo: Scipione, 2009.

A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour

Por Angela Müller de Toledo
Junho é um dos meses mais emocionantes do ano. Tem festa junina e dia dos namorados. Junho só não é melhor que o mês do aniversário da gente (a não ser que você seja do signo de gêmeos, faça aniversário este mês).

Por isso, primeiro pensei recomendar livros que falam sobre quadrilha, forró, São João ou contos populares, mas depois resolvi que a indicação de leitura de junho vai pela linha do amor.

Mesmo que você não tenha namorada(o), nem entenda muito do assunto, acho que vai gostar do livro sugerido, pois nele também há muitas aventuras e desafios a serem vencidos pelo jovem protagonista.

Embora Pecopin fosse apaixonado por Bauldour e fosse correspondido, ele vai se afastando dela cada vez mais e quando resolve voltar percebe que não será assim tão fácil. Pecopin tem muitos inimigos em seu caminho e todos se disfarçam muito bem para tentar enganá-lo.

Este conto foi o único escrito para jovens pelo famoso autor francês Victor Hugo e as ilustrações também são bem legais, parecem com as de quadrinhos. Vale a pena conferir.

HUGO, Victor. A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour. Adap. Ligia Cademartori. Trad. Joana Canêdo. Ilust. Rui de Oliveira. São Paulo: Mercuryo Jovem, 2002.

Diamante Negro: história de um cavalo / Beleza Negra.

Por Angela Müller de Toledo

Diamante Negro foi um magnífico potro que não conheceu maus tratos. Passou seus primeiros anos em um grande campo, correndo e brincando ao lado da mãe até completar quatro anos, ocasião em que começou a ser domado. Aprendeu a carregar um cavaleiro em seu lombo, suportar freio na boca, sela, ferradura, além de obedecer a todos os comandos. Esse processo de doma foi feito por um tratador experiente e seguiu sem traumas para Diamante Negro que se tornou um cavalo dócil e obediente. Porém, a vida desse inusitado narrador não seguiu sempre assim. Por vários e diferentes motivos o cavalo passou por muitos donos e tratadores, alguns bons, outros cruéis, que o maltratavam por ignorância ou maldade.

Esta obra, publicada originalmente em 1877,  pretendia sensibilizar a sociedade da Inglaterra a respeito das crueldades cometidas contra os animais. Não podemos esquecer que os cavalos eram o meio de transporte usual naquele tempo, tanto para montaria como para tração, e que seu trato envolvia um grande número de pessoas. O livro causou grande impacto e gerou vários movimentos a favor de um melhor tratamento para eles.

A narrativa é empolgante, cheia de detalhes sobre as características específicas dos cavalos, suas necessidades e cuidados essenciais para que eles se desenvolvam e sejam eficientes.
Temos nas bibliotecas uma publicação da Editora Nacional com o texto integral, traduzido por Monteiro Lobato, em que é possível acompanhar todas as aventuras de Diamante Negro e de seus amigos.  É uma leitura interessante porque as informações sobre os cavalos estão dentro da história, são dadas pelos próprios personagens. Porém não há ilustrações nesta edição.

Temos também o livro da Editora Companhia das Letrinhas, cujo projeto gráfico é mais bonito, capa dura, e contém uma apresentação que contextualiza a narrativa. A história é adaptada, menor, e a maioria das informações estão em “caixas” separadas do texto principal.

Enfim, as duas versões são boas para jovens curiosos e que gostam de cavalos.

SEWELL, Anna. Diamante Negro : história de um cavalo. Trad. Monteiro Lobato. São Paulo: Nacional, 2002.

SEWELL, Anna. Beleza Negra. Trad.Hildegard Feist. Ilustr. Victor Ambrus. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2001.

Meu material escolar

Por Angela Müller de Toledo
Na minha opinião, o melhor da volta às aulas é reencontrar os amigos. É certo que algumas crianças mudam de escola no final do ano, às vezes mudam também de casa e até de cidade, mas depois de alguns dias na nova escola elas já estão brincando e conversando com um monte de gente, fazendo novos amigos.

A segunda melhor coisa do início do ano é o material escolar com cara de novo, cheirinho de novo, aquele material que dá vontade de fazer tudo bem caprichado.

Para comemorar a volta dos alunos da Escola da Vila para mais um ano de muitas brincadeiras, leituras e aprendizado, escolhi recomendar o livro Meu Material Escolar, de Ricardo Azevedo, no qual encontramos poemas cheios de rimas e ritmo e que falam sobre os objetos que atraem a nossa atenção nesses dias.

A maneira como os poetas tratam os assuntos não é uma maneira comum, a poesia é novidadeira, fala de um jeito diferente, como a gente nunca viu. Um exemplo disso é o poema “Giz e apagador” da página 23. Você já sabia que eles são amigos inseparáveis?

Quem já sabe ler sozinho não vai encontrar dificuldades neste livro, e quem ainda não aprendeu (ou esqueceu durante as férias), pode pedir aos pais, professores, irmãos mais velhos… garanto que eles também vão gostar.

AZEVEDO, Ricardo. Meu material escolar. São Paulo: Quinteto, 2000.

A cidade inteira dorme e outros contos breves

Por Angela Müller de Toledo
Indicar um livro de Ray Bradbury, principalmente uma coletânea de contos já publicados em outras obras, pode parecer redundância. Milhares de pessoas em todo o mundo são apaixonadas por suas histórias fantásticas, bizarras e na maioria das vezes ternas e com um profundo sentido humanista. Sim, porque mesmo quando ele fala de um marciano, é da natureza humana que se trata. Em textos profundamente metafóricos, penetrando no íntimo de seus personagens, o que está por trás das paisagens descritas minuciosamente e das relações pessoais mais corriqueiras é a crítica ao mundo contemporâneo.

No prefácio deste livro, Carlos Vogt ressalta o caráter melancólico da escrita de Bradbury, a melancolia como valor estético, aquele sentimento de incompletude e saudade de algo não muito bem definido.

Difícil dizer qual o conto preferido, O Homem Ilustrado, que fez parte da minha juventude na forma de um livro com vários outros contos ligados pela mesma ideia: um corpo completamente tatuado, que carrega as imagens de um futuro nada agradável. As prosaicas velhinhas de Uma pequena viagem, que usam suas economias para embarcar em um foguete para encontrar Deus? Ou a belíssima relação de afeto e cumplicidade que se estabelece entre um velho e um menino entediado em A autêntica múmia egípcia feita em casa?

Há muito tempo andava afastada dos relatos poéticos de Badbury, de sua ironia fina, do medo profundo que os enredos às vezes causam, das ideias brilhantes que nos fazem pensar “de onde ele tirou isso?” e de sua temática futurista que sempre me atraiu. No entanto, ao revisitá-lo nesta coletânea, tudo o que descrevi acima voltou envolvido por intensa emoção. Pretendo assim justificar mais uma resenha enaltecendo quem já foi elogiado por Borges e mereceu versos de Mário Quintana cujo trecho transcrevo a seguir: “Ray Bradbury é a nossa segunda vovozinha velha que nos vai desfiando suas histórias à beira do abismo – e nos enche de susto, esperança e amor.”

BRADBURY, Ray. A cidade inteira dorme e outros contos breves. Trad. Deisa Chamahum Chaves. São Paulo: Globo, 2008.

O vento nos salgueiros

Por Angela Müller de Toledo

Às margens de um rio e perto de uma floresta vivem quatro amigos: o rato d’água, o toupeira, o texugo e o sapo.

A vida boa e pacata, com comida farta, sonecas sob o sol de verão, histórias contadas ao pé do fogo e conversas agradáveis só é interrompida quando o excêntrico sapo apronta uma das suas. O sapo é o único milionário do grupo, mora numa mansão, é vaidoso, aventureiro e bastante irresponsável. Para colocá-lo “na linha” só chamando o temível texugo, animal sábio e muito respeitado na mata. Mas será que o sapo vai obedecê-lo?

Você, leitor desta resenha, não faz ideia das enrascadas que o sapo se mete e o quanto seus amigos se preocupam com ele. Aliás, o afeto que une animais tão diferentes é uma das coisas bonitas deste livro. O forte sentimento inclui o apoio nos momentos difíceis, o companheirismo, a cumplicidade e também as broncas quando necessárias.

O texto tem algumas palavras difíceis, mas alunos da Vila já sabem que isso não prejudica a leitura. O que devemos fazer é continuar lendo, porque o sentido se apresenta mais adiante, pelo contexto da história, e se a dificuldade persistir é só dar uma olhada no dicionário.

Tenho certeza que você vai se apaixonar por esta turminha.

GRAHAME, Kenneth. O vento nos salgueiros. Ilust. Carlos Brito. Trad. Ivan Angelo. 2ª ed. São Paulo: Salamandra, 2007.