Por Paula Lisboa
Monteiro Lobato é tão importante na história dos livros escritos para crianças e jovens no Brasil, que é no dia do seu aniversário – 18 de abril – que comemoramos o Dia Nacional da Literatura Infantil e Juvenil. Mas afinal, por que será que ele é assim tão importante?
Monteiro Lobato é um divisor de águas, pois antes dele não existiam livros escritos para crianças no Brasil. Pode-se dizer que ele mudou para sempre a maneira como os livros para crianças passaram a ser escritos, abriu as portas para novas ideias e novas formas de escrever. Antes de Lobato, nossas crianças tinham acesso a livros de contos cuja intenção era ensinar o que é certo e errado, não tinham como objetivo serem boas leituras de fruição e imaginação. Outra opção eram os clássicos de fora do Brasil que chegavam aqui com traduções em português de Portugal, não escritos por autores brasileiros para crianças brasileiras.
Lobato achava os livros da época tão sem graça, que escreveu em uma carta para um amigo que não conseguia encontrar boas opções de livros para ler para seus filhos, então decidiu ele mesmo escrever bons livros. Ele também reescreveu e traduziu histórias já conhecidas, mas antes escreveu a sua própria história, “A Menina do Narizinho Arrebitado”, publicado em 1920, quando ele tinha 38 anos. O livro vem classificado por seu autor como “Livro de Figuras”, o que já deixava claro que as imagens eram tão importantes para a história quanto o texto escrito. Lobato buscava trazer a realidade do Brasil para seus escritos, que não fossem uma simples imitação do que vinha de fora. Queria que as pessoas se reconhecessem na leitura e que as crianças se apaixonassem pela história.
O sucesso de seu primeiro livro foi total e imediato. Em seu texto as crianças se identificam com a história contada, sentem-se à vontade entre os personagens, a caracterização, o cenário, a linguagem, toda a situação narrada. E assim, com o leitor se sentindo em casa, o texto de Lobato vai nos conduzindo para um mundo mágico e maravilhoso com muita naturalidade, nos fazendo mergulhar no reino das águas claras onde um peixe é o príncipe, ou conversar com um sabugo de milho, ou uma boneca de pano. Nada disso é forçado quando a realidade e a imaginação fazem parte de uma situação muito bem criada.
Monteiro Lobato foi o primeiro escritor brasileiro que escreveu livros de qualidade especialmente para as crianças, e desde que começou a criar a turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, em 1920, nunca deixamos de ter seus livros como importantes na nossa literatura e seus personagens marcaram pra sempre nossa produção cultural.
No entanto, existe uma importante crítica a ser feita a esse grande autor brasileiro. Basta ler algumas páginas para perceber que ele se refere à tia Nastácia como “a negra” e em outros momentos escreve comentários bem grosseiros sobre o fato dela ser negra. Não está certo a gente se referir a uma pessoa pela cor de sua pele, assim como a cor da pele não faz de ninguém melhor ou pior do que ninguém. Nosso país traz em sua história a triste e dolorosa passagem da escravidão dos negros africanos e isso deixou muitas marcas na nossa linguagem e na nossa cultura. Até hoje, em 2020, ainda estamos aprendendo a fazer diferente. Nesse sentido, é importante lembrar que quando Lobato escreveu esses livros, há 100 anos atrás, as pessoas achavam que era normal discriminar pessoas negras, ou mesmo fazer piadas constrangedoras e sem graça. É bem desagradável encontrar essa discriminação nas palavras de um dos maiores escritores brasileiros, isso nos deixa constrangidos e embaraçados. Afinal, se um escritor, que conhece tão bem as palavras, se expressa dessa forma, imagine as pessoas comuns!
Sim, isso é uma coisa muito ruim encontrada na obra do Lobato, mas não faz seus livros serem menos interessantes, nem tira a sua importância na nossa literatura. Isso fala sobre a nossa história e nossa formação, e não devemos esquecer nossa história, por mais triste que ela seja. O importante é conversar sobre isso, comentar, apontar, refletir. Não finjam que nada está acontecendo. É preciso trazer para a consciência sempre que percebemos a linguagem depreciativa no texto, e seguir pensando em maneiras de retratar o racismo presente em nossa linguagem. A busca deve ser sempre pelo respeito, por nos tratarmos bem uns aos outros, sem discriminar ninguém por ser diferente de mim!
Fica aqui o convite para o mergulho na obra original de Monteiro Lobato. Com o olhar atento, tenho certeza que todos vão se apaixonar por sua narrativa criativa e inteligente.