PLANTÃO DE LEITURA

por Fernanda de Lima Passamai Perez

Todos os dias antes do início das aulas do período da tarde, os alunos que chegam um pouco antes do horário de entrada vêm à biblioteca para uma leitura de livre escolha.

Esse é um dos momentos em que as crianças gostam de explorar as estantes ou ler gibis – que são sempre muito concorridos, assim como um pedaço no tapete para se entregar ao prazer da leitura.

SACI-PERERÊ, O BASTIÃO DA CULTURA POPULAR BRASILEIRA

Por Fernanda de Lima Passamai Perez

Sabe aquele leite que sua mãe diz azedou mesmo estando na validade e dentro da geladeira? O quarto que você deixou arrumado de e, de repente, tá todo revirado? E a lição de casa? Na hora de entregar à professora você percebe que o texto que você levou horas redigindo não existe mais. Sumiu! E o livro da biblioteca.  Você tem certeza, jura de pé junto, que o devolveu, pois não o encontra em casa, mas a bibliotecária insiste que não.

Pois é, mesmo que você não acredite. Mesmo que você more na cidade.  Cuidado, você pode ter sido mais uma vítima do Saci. Sim, do Saci-Pererê. Só pode ser! Preste atenção! Você já notou quando mal a noite cai, do nada um assobio forte, inumano, chega aos seus ouvidos. Pode ter certeza, é o dito cujo saindo do esconderijo e começando suas travessuras.

Ainda não está convencido? Então é melhor você ler O Saci-Pererê: o resultado de inquérito.

A ideia de tal investigação veio a Monteiro Lobato quando escrevia a coluna “Mitologia brasílica” para a edição matutina do jornal O Estado de São Paulo e “a angústia do gás asfixiante e a selvageria dos modos civilizados de matar em grande” advinda das notícias sobre a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) o incomodavam profundamente. As diabruras do maroto desviou sua atenção “para quadro mais ameno que trucidar povos”. (Anos mais tarde o autor retomaria o tema no imperdível e, ainda atual, A chave do tamanho (1942) quando através da boneca Emília tenta desligar a chave da guerra no auge da 2º Guerra Mundial).

A partir de 1917, Monteiro Lobato começou o levantamento de dados focado no mito tupi-guarani na região de fronteira do Brasil e Paraguai, chamado de Çaa cy perereg – olho mau saltitante. Nas relatos mais antigos, o maroto possuía características demoníacas como rabo, chifres e cheiro de enxofre, porém ao longo do tempo, ganhou pito, gorro vermelho e teve a tonalidade de sua pele alterada.

Os relatos vieram de vários lugares do Brasil, alguns anônimos, e contribuíram para que o criador de mundo mítico do Sítio do Pica-pau Amarelo reunisse em o que podemos chamar de Documento, histórias que resgatam a cultura popular e ainda são capazes de nos causar arrepios e divertir.

Hoje, 31 de outubro comemora-se o Dia do Saci-Pererê. Tenho que certeza de que você ou alguém que você conhece tem uma história na ponta da língua para contar.

LOBATO, Monteiro. O Saci-Pererê, resultado de um inquérito. São Paulo: Globo, 2008.

E NÃO SOBROU NENHUM

por Fernanda de Lima Passamai Perez

Ao largo da costa de Devon, Inglaterra, fica a Ilha do Soldado. O lugar virou destaque na imprensa depois que um milionário norte-americano construiu uma moderna e luxuosa casa onde dava festas extravagantes e muito comentadas. Contudo, em pouco tempo, a ilha mudou de dono. A jovem esposa do proprietário sofria de enjoo do mar e ele teve que vender a casa e a ilha.  Segundo se dizia, a propriedade foi comprada por um tal sr. Owen e posteriormente pela Srta. Gabrielle Turnl, estrela de Hollywood. Só isso já bastava para despertar a curiosidade daquelas dez pessoas que receberam um inesperado convite para um final de semana na famosa Ilha do Soldado.

Nenhum dos hóspedes parecia se conhecer ou ter sido convidado pela mesma pessoa. O fato é que é todos pareciam ter algo em comum : o envolvimento na morte de alguém no passado. Pelo menos foi essa a alegação do anfitrião – que revelou-se mesmo ser o sr. Owen. Após o jantar da primeira noite, através de uma uma voz inesperada, inumana e penetrante, ele expôs a acusação que recaía sobre cada uma das pessoas presentes naquela casa.

A partir desse momento, uma espécie de julgamento sumário aconteceu e mesmo alegando inocência, negando as acusações, as sentenças foram executadas tal aquela canção infantil dos Dez Soldadinhos… até não sobrar nenhum!

E não sobrou nenhum, de Agatha Christie, conhecida como a Rainha do Crime,  é um thriller psicológico e um dos mais conhecido romances da autora. Publicado inicialmente como o Caso dos dez negrinhos (Ten little nigers) na Inglaterra em 1939, o título causou polêmica no mercado americano e foi alterado para Ten little Indians e mais tarde para And Then were none. No Brasil, o livro chegou a ser publicado nos anos 50 com o título de O Caso dos Dez Negrinhos, e desde 2008, com o título de E Não Sobrou Nenhum.

Apesar das polêmicas em torno do título, a história segue divertindo leitores ao redor do mundo que são fisgados pela elaborada narrativa na qual toda palavra pode ser uma pista para tentar descobrir o criminoso antes do final.

Um último aviso : o desfecho sempre é surpreendente!

CHRISTIE, Agatha. E não sobrou nenhum. São Paulo: Globo, 2015.

A HISTÓRIA DE IQBAL

por Fernanda de Lima Passamai Perez

Iqbal Masih tinha por volta de 5 anos quando ainda morava com sua família no interior do Paquistão. Depois que seu pai contraiu uma dívida – alguns creem que foi para comprar remédios, outros alegam que o dinheiro foi usado para o casamento do irmão mais velho – o pequeno menino foi entregue a agiotas para que trabalhasse em uma tecelagem até que quitasse o débito familiar. O que de fato nunca ocorreria e ele, mesmo ignorante, parecia saber disso. Após alguns anos trabalhando em condições de semi-escravidão, Iqbal subverteu as regras estabelecidas pelo mundo adulto, fugiu e revelou a todos sua condição, contribuindo para que outras crianças também fossem libertadas e pudessem voltar às suas famílias. No entanto, o garoto fez muitos inimigos e mesmo com toda projeção  internacional, Iqbal foi morto em 1995 com aproximadamente 12 ou 13 anos.

Apesar do desfecho triste, A história de Iqbal é um livro bonito. O leitor já inicia a leitura conhecendo seu final e tem a oportunidade de ir, ao longo da narrativa, elaborando e ressignificando fato tão bárbaro, através das lembranças de Fátima, menina que teria conhecido e trabalhado ao lado Iqbal. Dentro de um contexto ficcional, a pequena narradora reconstrói o período final de vida do menino, quando o conheceu e começou a crer que a vida podia ser diferente. O olhar de Fátima capta tudo, revelando, sem dúvida, fatos assustadores porém o filtro da infância abranda o peso dos acontecimentos, talvez por conta da ingenuidade, e dá esperança ao leitor.

Sem julgamentos sumários ou descrições apelativas, o livro de Francesco D’Adamo é conciso, realista, intenso e belo. Ele eterniza e divulga a luta de Iqbal Masih que, assim como Malala Yousafzai, sua conterrânea e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz 2014, buscaram justiça para garantir seus direitos de criança, ainda que isso pudesse custar suas vidas.

D’ADAMO, Francesco. A história de Iqbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016.

EU QUERO UM AMIGO…

por Fernanda de Lima Passamai Perez

O que é um amigo? Bem, pode ser aquela pessoa que vai rir da sua piada, mesmo que não seja tão engraçada assim, ou vai te fazer rir da dela. Te avisar quando algo não estiver legal ou te elogiar quando você se superar. Ser parecido com ou muito diferente de você. Que ganha no jogo para te desafiar ou perde para te ensinar. Corrigir seus erros e, mesmo os perdoar…

O livro de Anette Bley Eu quero um amigo…é leve, divertido. A disposição das ilustrações pode parecer um pouco confusa a princípio, pois não há uma única narrativa, são vários cenários e micro narrativas que se acrescentam e concretizam o sentido de amizade, o tema comum a todas elas. Por isso vale a pena ser lido mais de uma vez e ir cruzando as imagens, criando novas situações, de novo e mais uma vez.

Deliciosa experiência de leitura para se compartilhar com os pequenos e para lembrarmos que, mesmo crescidos, é muito bom ter um amigo.

BLEY, Anette. Eu quero um amigo…. São Paulo: Brinque Book, 2013.

A TRÁGICA ESCOLHA DE LUPICÍNIO JOÃO

por Fernanda Passamai Perez

Por Fernanda Passamai Perez

Lupicínio João nunca entendeu por que seu pai detestava seu avô materno a ponto da mãe ter que mentir quando levava os filhos para visitá-lo. Tudo bem que aquele senhor não era dos mais simpáticos, o menino mesmo não se sentia a vontade na presença dele, e, agora, diante daquele corpo rijo e sem vida, não sentia nada.

Apesar disso, Lup, como era chamado em casa, teve uma infância comum e feliz. Mas, prestes a completar 13 anos, mudanças em seu corpo anunciavam que além da puberdade, chegara o momento de conhecer o significado daquela marca vermelho rubi abaixo da axila direita: como seu avô, Lupicínio João era um… lobisomem!

Porém, havia uma chance de mudar sua sorte.  No momento certo, ele teria de fazer sua escolha: ser ou não um lobisomem para o resto de sua existência. Sua vida era boa, sem dúvida. Era amado por seus pais e gostava da irmã, mas como resistir ao poder que brotava de si, graças à sua herança?

Esqueça tudo o que você ouviu falar sobre lobisomens e acompanhe o desfecho dessa emocionante história.

SILVEIRA, Maria José. A trágica escolha de Lupicínio João. São Paulo: Scipione, 2012. (Diálogo)