Peter Pan escarlate

Por Angela Müller de Toledo

Se você conhece a história de Peter Pan, não pode deixar de ler esta continuação das aventuras do menino que se recusou a crescer.  A autora, Geraldine McCaughrean, ganhou um concurso de enredos que davam continuidade ao famoso livro.

“Peter Pan escarlate” acontece 20 anos depois que os irmãos Wendy, Miguel e João voltaram da primeira aventura na Terra do Nunca. Eles, assim como os meninos perdidos, já estão crescidos e têm suas próprias famílias e profissões, mas, de repente, começam a ter sonhos estranhos com Peter, as sereias, Capitão Gancho e outros habitantes da ilha do Nunca. Os sonhos são tão reais que quando eles acordam encontram na cama algum objeto que fazia parte do sonho: uma adaga, um chapéu de pirata, um rolo de corda, entre outros restos bizarros. Muito preocupados, “os senhores de respeito” resolvem voar novamente para junto de Peter e saber o que está acontecendo. Mas como um médico, um juiz e outros pais de família poderiam entrar da terra maravilhosa das crianças?

Estas novas aventuras envolvem muita magia e episódios maravilhosos como só é possível acontecer na Terra do Nunca.

Há alguns personagens novos como um elfo mentiroso e comilão e o tal do Sr. Novello, um dono de circo que acompanha Peter e os outros numa caça ao tesouro.

Quem não leu o clássico Peter Pan pode começar por ele, pois muito do que acontece ao escarlate é conseqüência direta do primeiro livro.

 

McCAUGHREAN, Geraldine. Peter Pan escarlate. Trad. Maria Luiza Newiands Silveira. Ilust. David Wyatt. São Paulo: Salamandra, 2006.

O senhor dos quebra-nozes

Por Angela Müller de Toledo
A história contada neste livro começa em 1914 na cidade de Londres e tem como protagonista um menino chamado Johnny, filho de um exímio fabricante de brinquedos.

O pai fizera para ele um exército de trinta soldadinhos talhados em madeira que eram o xodó do garoto.

Quando a primeira guerra mundial estourou, Johnny tinha dez anos e seu pai, James Briggs, alistou-se em meio à euforia patriótica e à crença de que o conflito seria rápido. Foi mandado ao front ocidental de onde enviava cartas detalhadas para o filho e brinquedos que manufaturava durante as longas noites de vigília nas trincheiras.

As primeiras cartas eram animadas mas, aos poucos, os horrores das batalhas vão se tornando evidentes, tanto pelo conteúdo delas quanto pelos brinquedos recebidos. Estes chegavam cada dia mais toscos, imperfeitos, levando a narrativa a um tom dramático.

Nesse meio tempo a mãe do menino resolve mandá-lo para o interior, pois permanecer em Londres tornara-se muito perigoso. No jardim da casa de tia Ivy, Johnny arma seu campo de batalhas para os soldadinhos que ganhara do pai.

Narrada em primeira pessoa, esta história alterna o relato da guerra real, através das cartas do soldado inglês, e o relato das batalhas que seu filho trava com os soldadinhos de brinquedo. A partir de certo momento, fantasia e realidade se misturam na cabeça do menino e o que o leitor vê é a guerra dos adultos invadindo o jogo das crianças.

Inesperadamente entra em cena um personagem importante para a história: um velho professor que se torna amigo do garoto e oferece a ele a “Ilíada” que logo Johnny começa a ler. Desse modo, estão postas em paralelo a guerra real, com seus dados históricos, a guerra travada no jardim por bonecos de madeira, e a guerra de Tróia descrita pela literatura.

Porém, a essas alturas, a perda e a morte já deixaram suas marcas no garoto, assim como a irracionalidade do mundo dos adultos. Johnny questiona-se sobre o papel de Deus em tudo isso e, gradativamente, vai perdendo a inocência e compreendendo a diferença entre suas brincadeiras e a guerra que atinge sua família e amigos. Seus sentimentos e sua interpretação dos fatos mudam completamente no decorrer da narrativa.

Não se trata de um livro ameno, mas é muito bonito. Traz o tema dos grandes conflitos bélicos para o campo pessoal, em que a verdadeira dimensão da guerra é percebida através de indivíduos comuns, adultos e crianças. No entanto, o maior mérito deste autor é ter conseguido fazer uma história ao mesmo tempo contundente e delicada, densa e sutil, triste, mas encantadora.

 

LAWRENCE, Iain. O senhor dos quebra-nozes. Trad. Heitor Pitombo. Rio de Janeiro, Rocco, 2003.

Histórias para brincar

Por Angela Müller de Toledo

O livro recomendado deste mês tem vinte histórias e cada uma delas pode terminar de três maneiras diferentes. Elas foram criadas para um programa de rádio na Itália e fizeram grande sucesso, já que são inventivas e engraçadas.

Dos três finais possíveis, sempre há um que o leitor prefere e escolhe como sendo o melhor. Por outro lado, nas últimas páginas do livro o autor conta qual é o desfecho que ele mais gosta e explica as razões de sua preferência. Você pode concordar ou não.

Não é sem razão que o livro se chama “Histórias para brincar”, pois além dos finais sugeridos é possível criar outros, ou brincar com os amigos de adivinhar qual foi o final escolhido por cada um.

Penso que no Brasil o livro vai agradar tanto quanto as histórias ouvidas pelos italianinhos pelo rádio.

 

RODARI, Gianni. Histórias para brincar. Ilust. Cide Piquet. Trad. Andrés Sandoval. São Paulo: 34, 2007.

A Amizade abana o rabo

Por Angela Müller de Toledo

Uma gatinha que um dia aparece no quintal, um cachorro que nos segue na rua, isto não é uma história incomum na vida real.

A leitura que recomendo aqui é de uma história em quatro capítulos contada por Marina Colasanti e que é mais ou menos comum, contudo foi criada com tanta sensibilidade, de uma forma tão simples e bonita, como só os grandes escritores conseguem fazer.

 

COLASANTI, Marina. A amizade abana o rabo. São Paulo: Moderna, 2002.

 

 

Matilda do osso

Por Angela Müller de Toledo
Em seus quatorze anos de vida Matilda estava sozinha pela primeira vez. Embora fosse órfã, a menina crescera na Mansão Randal rodeada de criados e tendo o padre Leufredus como tutor. Quando o padre foi chamado a Londres, Matilda foi levada a uma cidade chamada Saco das Lascas para trabalhar como criada de uma mulher que, entre outras atividades, consertava ossos quebrados das pessoas. Ninguém explicou porque a menina não poderia ir com o padre, ou porque não poderia esperar sua volta na mansão. Matilda sentia-se profundamente infeliz.

Esta narrativa acontece na Idade Média e conta muitas coisas interessantes a respeito da vida e dos costumes da época, principalmente sobre a medicina medieval, quem e como era praticada. É uma história bem construída e gostosa de ler. A protagonista é orgulhosa, tem personalidade forte e é muito inteligente. Tanto que, em determinado momento dentro da história, ela consegue reconhecer as falhas e incoerências dos valores que lhe foram impostos e começa a ver tudo de maneira diferente. É uma obra imperdível.

 

CUSHMAN, Karen. Matilda do osso. Trad. Angela Melim. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

Little Lit

Por Angela Müller de Toledo
Para aqueles que gostam de quadrinhos e acham que não estão mais em idade de ler contos de fadas, fica aqui o convite para conhecer Little Lit.

Neste álbum, dezessete artistas que pertencem à vanguarda das artes visuais, em particular dos quadrinhos, oferecem novas versões dos contos de fadas, fábulas e lendas, apresentando uma variedade incrível de estilos.

O resultado é uma obra que respeita a tradição mas que adota uma linguagem não convencional, cuja tônica é o humor nas suas mais variadas formas: da irreverência sutil, ao humor negro.

A primeira história, Príncipe galo, é uma parábola hassídica (corrente do judaísmo medieval que pregava o retorno à simplicidade) que conta sobre um jovem príncipe que se recusa a vestir roupas e fica o tempo todo embaixo da mesa comendo milho.

Os contos de fadas são os conhecidos João e o pé de feijão, A princesa e a ervilha e A bela adormecida, esta última em trecho da versão de Perrault que conta o que aconteceu depois que a princesa se casou.

Os contos admonitórios – assim chamados porque há neles uma advertência, uma lição ou reprimenda – estão aqui representados por A filha do padeiro, que conta porque uma menina acaba virando coruja, e pela história O cavalo faminto em que um fazendeiro, por ser explorador e cruel , é também transformado em animal.

A narrativa visual O homem-biscoito, é um clássico de 1943 reproduzido em fac-símile. Há também uma lenda japonesa, um conto do folclore Italiano, e um do holandês.

Little Lit ainda inclui jogos e brincadeiras que lembram os gibis de antigamente, com “passa-tempos” no meio das histórias.

Muita coisa ainda poderia ser dita sobre cada um dos quadrinistas escolhidos, cada técnica de desenho, formato dos balões, letras, cores, traços e, principalmente, sobre as diferentes relações entre texto e imagem. Trata-se de uma coletânea excepcional que apresenta um panorama do que é feito atualmente na área dos quadrinhos e Cartuns, além de mostrar como os contos tradicionais são uma fonte inesgotável de criação.

 

LITTLE LIT: fábulas e contos de fadas em quadrinhos. Org. Art Spiegelman e Françoise Mouly. São Paulo: Cia das Letras, 2003.

 

A órbita dos caracóis

Por Angela Müller de Toledo
Romance policial cujo narrador é mais que onisciente: é um palpiteiro irônico que conversa com o leitor, comenta as atitudes das personagens e justifica o enredo e as decisões de estilo.

O livro começa com um assassinato nas ruas do centro da cidade de São Paulo e segue introduzindo os protagonistas: a hacker Juliana, seu namorado, o bioquímico Tota e o amigo do casal, Mori, ou Japa para os íntimos. O leitor é fisgado logo nos dois primeiros capítulos para uma história que mistura o envenenamento de pessoas por uma bactéria contida nos escargots, a ameaça da queda de um satélite artificial na cidade e um vilão inescrupuloso e meio louco, tudo sob o pano de fundo da vida de jovens “descolados” em uma grande metrópole.

Uma narrativa muito bem-humorada para adolescentes e jovens que gostam do gênero.

MORAES, Reinaldo de. A órbita dos caracóis. São Paulo: Cia das Letras, 2003.

O sorteio da morte

Por Angela Müller de Toledo
Esta é a história de um homem comum, em plena saúde e bastante apegado à vida, que tem sua morte anunciada.

O portador da má notícia é um “recolhedor de almas”, um diabo não graduado incumbido por seus superiores de entregar um “prêmio” ao infeliz.

Dentre todos os que vão morrer, uma pessoa é sorteada para desfrutar seus últimos momentos da maneira que quiser, podendo pedir qualquer coisa.

No início o diabo precisa convencer o sorteado de que fala a verdade e usa todas as suas habilidades para isso. Descreve em detalhes a vida presente e passada do homem, atravessa paredes, desmaterializa-se, transforma água em enxofre e persegue Jean Trumel por todos os lugares tentando-o com prazeres de toda ordem: fama, glória, fortuna, mulheres, poder, felicidade, tudo. O diabo é um tremendo chato e isso torna a narrativa muito cômica.

Trumel, por sua vez, passa por vários sentimentos ao longo da narrativa: incredulidade debochada, incredulidade desconfiada, clareza súbita, raiva, desespero, revolta, até chegar à determinação de não se entregar, de sabotar os planos da morte.

Trata-se de um texto ágil, de humor ácido, com enredo inteligente que vai crescendo em dramaticidade e que, ao mesmo tempo, propõe uma reflexão sobre a vida e a morte.

Imperdível.

KEMOUN, Hubert Ben. O sorteio da morte. Trad. Carlos Sussekind. São Paulo: Cia das Letras, 2001.

HQs: quando a ficção invade a realidade

Por Angela Müller de Toledo
Comento aqui um livro que mescla a prosa e os quadrinhos e cujo enredo parte da seguinte ideia: os heróis de HQ existem em um mundo paralelo e  podem interagir com as pessoas que os desenham. A história explora, portanto, a relação entre o criador e os personagens criados.

A primeira parte da obra coloca o leitor a par da trama, dos personagens e do conflito. Na segunda há o confronto entre os heróis e o vilão.

Colocando as coisas desta maneira a leitura parece simples, mas não é. Há uma grande quantidade de personagens transitando entre a história narrada e as histórias criadas por Déo, um jovem desenhista e autor de fanzinis. Déo é o protagonista que desenha o herói que enfrentará o mortal Biker numa batalha travada com lápis e papel.

O projeto gráfico merece destaque, assim como o glossário ilustrado colocado nas últimas páginas da obra. É um “bônus” informativo bem interessante.

Trata-se de um livro para jovens com alguma experiência em ambas as linguagens, texto e HQ, acostumados com enredos intrincados e que, eventualmente, questionam sobre a linha tênue que separa a ficção da realidade.

RIOS, Rosana. HQs: quando a ficção invade a realidade. Ilust. Amílcar Pinna. São Paulo: Scipione.2007.

O tecido dos contos maravilhosos

Por Angela Müller de Toledo

Uma das coisas boas num livro de contos é que você pode ler um por dia, passar para outro conto se o que estiver lendo não for muito interessante, e ler na ordem que der na sua cabeça. Em um livro de contos sempre há aquele que a gente mais gosta.

Pois bem, este livro que indico hoje é tão bom que não consigo dizer qual é o melhor conto. São sete histórias de lugares distantes e todas estão relacionadas a um tipo de tecido. Explico: as histórias falam de personagens que trabalham com tapeçaria ou brocado, de personagens que procuram um tecido encantado protegido por uma serpente de sete cabeças, de personagens que encontram roupas finas dentro da boca de um crocodilo e por aí vai. Cada história tem uma introdução explicando sua origem, como eram feitos os tecidos, qual a importância deles para as pessoas do lugar e esclarece o sentido de algumas palavras ou expressões contidas nos contos.

As ilustrações, como não poderia deixar de ser, são feitas em tecido. A artista usa botões, contas, conchas e bordados para confeccionar um trabalho maravilhoso e cheio de detalhes.
Tudo neste livro contribui para a gente sentir pena quando chega no final.

BATT, Tanya Robyn. O tecido dos contos maravilhosos. Ilust. Rachel Griffin. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.