Sobre os contos de fadas

Por Paula Lisboa

Pensando em escrever sobre os contos de fadas, tentei imaginar como seria nosso mundo caso eles não existissem. Ou ainda, se a gente não tivesse tido a chance de conhecer esses contos, narrados há séculos entres homens, mulheres e crianças. Através da narração dessas histórias, o ser humano foi construindo sentido para as adversidades da vida, elaborando emoções difíceis de sentir, se entendendo como parte de um coletivo maior que a sua vida pessoal. 

Os conhecidos contos de fadas são uma parte dos chamados “contos populares”, aquelas histórias que têm origem de domínio público, ou seja, pertencem à humanidade. Não sabemos quem inventou ou quando, sabemos que existem e que são contadas há muitos séculos, passadas de geração em geração.

As narrativas que eles trazem constituem a grande matéria produzida pela humanidade ao longo dos tempos, como forma de encarar questões das quais não podemos fugir, como os desígnios recebidos já no nascimento, ou a pobreza com que se vem ao mundo, a busca de um amor, o desejo de correr o mundo livremente, a vontade de construir uma vida melhor, a necessidade de enfrentar obstáculos, a situação inevitável de quando se é prisioneiro de encantamentos ou de todo tipo de coisa que determina sua vida mesmo sem ter sido sua escolha… Enfim, todo enfrentamento aos vários desafios humanos constituem a matéria bruta que vai originar os contos populares e mais especificamente os contos de fadas.

Então esses contos foram sendo criados pelas pessoas, contados de boca em boca, em uma realidade muito diferente da que vivemos hoje em dia, em rodas, em grupos, crianças e adultos juntos, sem distinção de faixa etária. As crianças acompanhavam as narrações que a princípio eram feitas entre adultos, não tinha a ideia que muitas vezes temos hoje em dia, de que contar e ouvir história fosse para as crianças. As histórias existiam e existem para todos nós.

Essas histórias contadas oralmente começaram a ser registradas por alguns autores e autoras, que foram responsáveis por manter os contos conhecidos de nós até hoje. Por outro lado também foram responsáveis por dar uma forma fixa para as narrativas, que na oralidade seguem em constante modificação, ao passo que na escrita se fixam.

Esses contos constituem um arcabouço do imaginário coletivo, trazendo referências ao ser humano. Eles são uma espécie de herança que recebemos das pessoas que vieram antes de nós e que ajudaram a construir o mundo como o conhecemos hoje. Eles trazem um verdadeiro catálogo de destinos humanos, de forma que sempre podemos recorrer a eles como forma de encarar os desafios que a realidade nos impõe.

Muitos pesquisadores se debruçaram para estudar os contos de fadas em suas várias camadas. Tem a camada do olhar psicanalítico, do inconsciente coletivo, tem olhares mais sociológicos e culturais, olhares mitológicos… São tantas camadas que é inegável a riqueza de material que esses contos nos trazem.

Agora imaginem chegar à idade adulta sem conhecer Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Rapunzel e tantos outros contos. Pra começo de conversa, quantas outras histórias a gente não entenderia caso não conhecesse essas, que originaram muitas outras. Tanto pelas referências aos personagens, quanto pelas situações recorrentes que encontramos nos contos, esquemas narrativos que se repetem, lógicas ficcionais que podem ser encontradas em muitas outras produções. Existe toda uma produção de conteúdo simbólico narrativo que parte desses contos, dessas histórias. 

Conhecer mais a fundo os contos de fadas é como abrir um grande baú de herança da humanidade, ter acesso a um grande repertório para lidar com questões complexas, para se fortalecer internamente a ponto de encontrar soluções para os desafios da vida. Não vamos deixar esse grande baú de lado, afinal, seria tolice não aceitar tal herança, tão rica e cheia de tesouros!


Família nordestina guardou séculos de romances medievais de mais de 700 anos na memória

Vejam que interessante a história dessa senhora, conhecedora de uma infinidade de narrativas que aprendeu ouvindo seu pai cantar:

“Benedita não sabia, mas as canções que ouvia de seu pai e guardava na memória eram romances ibéricos, histórias de conquistas que eram contadas e cantadas na era medieval. Herança trazida para o Brasil nas caravelas pelos colonizadores europeus.”

 

Deixe uma resposta