A HISTÓRIA DE IQBAL

por Fernanda de Lima Passamai Perez

Iqbal Masih tinha por volta de 5 anos quando ainda morava com sua família no interior do Paquistão. Depois que seu pai contraiu uma dívida – alguns creem que foi para comprar remédios, outros alegam que o dinheiro foi usado para o casamento do irmão mais velho – o pequeno menino foi entregue a agiotas para que trabalhasse em uma tecelagem até que quitasse o débito familiar. O que de fato nunca ocorreria e ele, mesmo ignorante, parecia saber disso. Após alguns anos trabalhando em condições de semi-escravidão, Iqbal subverteu as regras estabelecidas pelo mundo adulto, fugiu e revelou a todos sua condição, contribuindo para que outras crianças também fossem libertadas e pudessem voltar às suas famílias. No entanto, o garoto fez muitos inimigos e mesmo com toda projeção  internacional, Iqbal foi morto em 1995 com aproximadamente 12 ou 13 anos.

Apesar do desfecho triste, A história de Iqbal é um livro bonito. O leitor já inicia a leitura conhecendo seu final e tem a oportunidade de ir, ao longo da narrativa, elaborando e ressignificando fato tão bárbaro, através das lembranças de Fátima, menina que teria conhecido e trabalhado ao lado Iqbal. Dentro de um contexto ficcional, a pequena narradora reconstrói o período final de vida do menino, quando o conheceu e começou a crer que a vida podia ser diferente. O olhar de Fátima capta tudo, revelando, sem dúvida, fatos assustadores porém o filtro da infância abranda o peso dos acontecimentos, talvez por conta da ingenuidade, e dá esperança ao leitor.

Sem julgamentos sumários ou descrições apelativas, o livro de Francesco D’Adamo é conciso, realista, intenso e belo. Ele eterniza e divulga a luta de Iqbal Masih que, assim como Malala Yousafzai, sua conterrânea e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz 2014, buscaram justiça para garantir seus direitos de criança, ainda que isso pudesse custar suas vidas.

D’ADAMO, Francesco. A história de Iqbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016.

CONTOS TRADICIONAIS, CONTOS POPULARES, CONTOS DE FADAS

por Paula Lisboa

É impossível pensarmos na formação leitora e na experiência com as histórias sem falar dos contos tradicionais. Aqui na escola desde muito cedo nossas crianças ouvem narrativas dos irmãos Grimm, depois Perrault, caminham para os brasileiros, com recontos de Ana Maria Machado, Ricardo Azevedo, diversas versões do Pedro Malasartes… Depois estudam um pouco mais os contos de Andersen, autorais porém carregados de elementos da narrativa tradicional. Leem mitos gregos, contos africanos, russos, chineses… Nunca pára, mesmo que estejamos sempre ampliando o leque com a apresentação de diversos autores contemporâneos e contos modernos, os contos tradicionais se mantém sempre presente.

Este ano fui convidada a registrar em áudio a leitura do conto A inteligente filha do camponês, compilado pelos irmãos Grimm, que serviu de ponto de partida para as crianças dos 4ºs anos das três unidades (Morumbi, Butantã e Granja Viana) escreverem um novo episódio para a história. Cada nova história criada em duplas pelos alunos, foi ilustrada e lida em voz alta, para finalmente chegar à produção final do Projeto Curtas: pequenos vídeos contendo as narrativas contadas e ilustradas por eles!

E assim, vejam que lindo o caminho das histórias: um conto originalmente de tradição oral alemã, passou para o livro a partir da compilação dos Grimm; foi traduzido para o português pela Heloisa Jahn e serviu de base para a criação de novas histórias; essas histórias saíram do texto escrito e voltaram para a oralidade, resultando em uma produção áudio-visual!

Aqui vocês podem ouvir o conto lido por mim. A Inteligente Filha Do Camponês

GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Contos de Grimm. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004. 91 p.

AUTOCRACIA

por Lucas Meirelles

Autocracia

Autocracia é um livro de histórias em quadrinhos. Mas não histórias em quadrinhos como estamos usualmente habituados a ler. Não há aqui heróis, personagens complexos, uma sequência lógica de história; não há aventura, humor. Como uma crítica ao advento dos automóveis na vida cotidiana, ou uma explicação do porquê vive-se  correndo, o autor Woodrow Phoenix cria imagens de estradas, ruas, curvas, placas, estacionamentos e calçadas para falar do seu tratado sobre “velocidade, poder e morte no mundo motorizado” (subtítulo da capa).

Uma característica notável nesse livro são os “estudos de caso” narrados entre curiosidades sobre as leis de trânsito no Reino Unido e Estados Unidos. São histórias de, como frisa o autor: “acidentes” em que percebe-se quais os papéis de executor e vítima e como a sociedade reconhece ambos.

Livro para ler e repensar, ler e discutir.

PHOENIX, Woodrow. Autocracia. São Paulo: Veneta, 2014.

A ÁRVORE VERMELHA, DE SHAUN TAN

por Paula Lisboa

Um livro poético e triste, sobre aqueles dias em que acordamos com a certeza de que tudo vai mal e nada faz sentido.

Uma das coisas que me mobiliza quando escolho um livro para apresentar às crianças é a ideia de estar proporcionando um encontro. O que vai acontecer entre eles, está além do meu controle. Podemos pensar que um livro como “A Árvore Vermelha” seja pesado ou inadequado para uma criança, pois fala de sentimentos tristes, tem imagens oníricas e não usa palavras corriqueiras do vocabulário dos pequenos: “as coisas vão de mal a pior”, “a escuridão esmaga você”, “o mundo é uma máquina surda”.

Engano nosso. As crianças não somente apreciam tais expressões fortes como admiram as imagens e são capazes de sentir as emoções a que estamos nos referindo.

E assim, ao final da leitura que todos ouvem impressionantemente atentos, tiram suas próprias conclusões: “Achei esse livro triste, só no final tem duas páginas felizes” ou com maior elaboração: “Eu gostei desse livro porque a menina acha que o dia vai acabar chato e sem graça como começou, mas no final acontece uma coisa bonita!”.

Ampliamos o repertório, mobilizamos emoções intensas, damos formas à escuridão interna. E acima de tudo, possibilitamos o encontro com uma verdadeira obra de arte! Sugestão de leitura para todas as idades, dos pequenos aos grandes.

Assistam aqui o vídeo book desse título e acompanhem nossa descoberta!

TAN, Shaun. A árvore vermelha. São Paulo: SM, 2009.

A TRÁGICA ESCOLHA DE LUPICÍNIO JOÃO

por Fernanda Passamai Perez

Por Fernanda Passamai Perez

Lupicínio João nunca entendeu por que seu pai detestava seu avô materno a ponto da mãe ter que mentir quando levava os filhos para visitá-lo. Tudo bem que aquele senhor não era dos mais simpáticos, o menino mesmo não se sentia a vontade na presença dele, e, agora, diante daquele corpo rijo e sem vida, não sentia nada.

Apesar disso, Lup, como era chamado em casa, teve uma infância comum e feliz. Mas, prestes a completar 13 anos, mudanças em seu corpo anunciavam que além da puberdade, chegara o momento de conhecer o significado daquela marca vermelho rubi abaixo da axila direita: como seu avô, Lupicínio João era um… lobisomem!

Porém, havia uma chance de mudar sua sorte.  No momento certo, ele teria de fazer sua escolha: ser ou não um lobisomem para o resto de sua existência. Sua vida era boa, sem dúvida. Era amado por seus pais e gostava da irmã, mas como resistir ao poder que brotava de si, graças à sua herança?

Esqueça tudo o que você ouviu falar sobre lobisomens e acompanhe o desfecho dessa emocionante história.

SILVEIRA, Maria José. A trágica escolha de Lupicínio João. São Paulo: Scipione, 2012. (Diálogo)

Pânico na biblioteca

Por Angela Müller de Toledo

Já pensou se você fosse obrigado a ficar sentado num pequeno tapete vermelho da biblioteca da sua escola lendo livros de criancinhas por duas horas sem poder sair ou conversar? E se a bibliotecária fosse uma MEGERA que usasse uma arma estranha para lançar batatas nas crianças que fizessem bagunça?

Pois foi exatamente o que aconteceu com os irmãos Marcos e Duda quando eles foram forçados a passar duas intermináveis horas, três vezes por semana, na Biblioteca Municipal da cidade em que moravam.

Dona Angela, a bibliotecária, era temida por todos. Não tolerava risinhos nem brincadeiras, muito menos o atraso na devolução dos livros.  Além disso, não gostava que os meninos mexessem nas estantes e os ameaçava com castigos terríveis.

Este livro foi escrito pelo mesmo autor de Artemis Fowl, mas é muito mais divertido.

Aliás, se eu fosse você, eu me apressaria em lê-lo, só pra saber como Marcos e Duda se livraram dessa enrascada. Mesmo porque, parece que tem uma tal de dona Angela circulando pelas bibliotecas da Escola daVila…

COLFER, Eoin. Pânico na biblioteca. Trad. RytaVinagre. Ilust. Tony Ross. Rio de Janeiro: Record, 2005.

 

A cor da magia

Por Angela Müller de Toledo
Se você não é daqueles que desistem na primeira dificuldade do texto, indico sem pestanejar o primeiro livro da série Discworld de Terry Pratchett: “A cor da magia”. Fantasia e humor elevados à última potência é o resumo deste livro.

Imagine um mundo plano, em forma de disco, sustentado por quatro elefantes que vagam pelo espaço em cima da carapaça de uma tartaruga gigantesca. Pois é, e isso é só o começo, pois Discworld é um mundo com grande concentração de magia pura, onde acontecem coisas tão mirabolantes que os próprios magos se admiram.

Neste primeiro volume os dois principais personagens são um mago fracassado, reprovado pela Universidade de Magia, e um turista ingênuo e inconseqüente, um vendedor de seguros em busca de aventuras numa terra de bárbaros.

O que torna tudo isso tão interessante é o humor irreverente que permeia a história. Absolutamente tudo da vida contemporânea é ridicularizado pelo autor, principalmente a tecnologia e o consumismo.  Em estilo cinematográfico – duas ou mais ações rápidas acontecendo ao mesmo tempo em cenários diferentes com o corte indicado pela diagramação da página muito mais do que pelo escrito – Pratchett ironiza também o próprio gênero fantasia.

Se você superar a dificuldade das primeiras páginas não vai querer parar de ler os 13 títulos da série lançados no Brasil.

 

PRATCHETT, Terry. A cor da magia. Trad. Márcio Grillo El-Jaick. São Paulo: Conrad, 2001.

A fazenda distante

Por Angela Müller de Toledo
Jan nasceu na Namíbia e desde cedo aprendeu as leis de sobrevivência na savana. Observava com olhos fascinados a variedade de costumes dos povos nativos e aprendeu a respeitar essa diversidade. O aprendizado se torna ainda mais intenso quando seu pai contrata um khoikhoi (grupo étnico da África Austral) chamado Kaboco para trabalhar na fazenda. Jan e Kaboco se tornam inseparáveis.

Este é o início de uma história em que a vida do personagem é marcada pela diversidade cultural e pela presença intensa da natureza selvagem. Na África, reconhecer uma pegada ou uma raiz pode significar a diferença entre a vida e a morte.

Trata-se de um livro em que a aventura está inserida no cotidiano, entre leões, panteras, lendas ancestrais, seca e enchente, luta pela sobrevivência e contra traficantes de marfim.

Este livro eu recomendo!

BEAUDE, Pierre-Marie. A fazenda distante. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. São Paulo: SM, 2007.

Contos de lugares distantes

Por Angela Müller de Toledo
Há muito não ficava tão feliz ao ler um livro de contos (fruição?!). Talvez porque depois de Bradbury eu não conheci histórias que envolvessem situações tão inusitadas, em cenários tão surpreendentes, com personagens tão estranhos, mas com um resultado literário tão poético.

Um búfalo conselheiro, um estudante de intercâmbio que prefere alojar-se na despensa da casa, um escafandrista andando pela cidade, uma estranha casa com um pátio interno onde as estações não correspondem ao tempo exterior, duas crianças em expedição científica aos “misteriosos lugares distantes”, gravetos com questões existenciais, e por aí vai…

São histórias que requerem atenção, mas é aquela atenção sossegada, que deixa a mente aberta para o absurdo, para a intuição, aceitando que as histórias têm uma lógica própria.

No final, voltando sobre os títulos e com a ajuda das belíssimas ilustrações, o leitor começa a compreender as ideias por trás das palavras. Aliás, não poderíamos chamar as imagens deste livro de ilustrações simplesmente, pois elas não ilustram o texto verbal, elas o complementam, as duas linguagens contam as histórias.

O autor é um reconhecido quadrinista australiano e na biblioteca temos mais dois livros dele: A chegada (maravilhoso!) e A árvore vermelha.

TAN, Shaun. Contos de lugares distantes. Trad. Érico Assis. São Paulo: Cosac Naify, 2012