CONTOS COM REPETIÇÃO

Por Paula Lisboa

Quando observamos as estruturas das histórias tradicionais, ou seja, a forma como a narrativa dessas histórias é organizada, podemos identificar com muita frequência contos com repetição de diferentes tipos. Pode ser uma fala que se repete, ou algum evento ou ainda uma ação. Os chamados contos com repetição se caracterizam por apresentar uma estrutura que contém sequências recorrentes, que se repetem ao longo da trama.

Um exemplo de conto de repetição que é bem conhecido e muito adorado pelas crianças é o Caso do Bolinho, aposto que você conhece! A versão que mais circula é essa da Tatiana Belinky, com diferentes ilustrações em cada edição, mas o reconto é o mesmo.

O Caso do Bolinho |O Caso Do Bolinho - Coleção Hora Da Fantasia (Em Portuguese do Brasil): Tatiana Belinky: 9788516041328: Amazon.com: Books

 

Entre os contos tradicionais, é muito comum encontrarmos diferentes versões de uma mesma história, que trazem variações em função da região de origem e da forma como cada pessoa reconta. Vou apresentar pra vocês outra história muito semelhante ao Caso do Bolinho, recontada pela Linda Rode, no livro Na Terra do Nunca Jamais. 

“Rola, pãozinho, rola”. RODE, Linda. Na terra do Nunca-Jamais. São Paulo: Martins, 2014. Ilustrações Fiona Moodie.

Em um dia frio e nevoento, uma mulher fez três pãezinhos redondos para o marido, que ficaria no campo o dia todo, carpindo um lote de terra. A mulher pôs os três pãezinhos em um prato para que esfriassem. O maior e o médio repousaram tranquilos e fumegantes no prato. Mas o menor deles, tostadinho de dar água na boca, remexeu-se e agitou-se até ficar de pé. Rolou para fora do prato, saiu pela porta e desceu girando e rodando pela encosta da colina onde ficava a pequena casa.

-Ninguém vai me comer! – ria ele, com sua risada rouca de pãozinho. – Eeeeeeee! Estou livre, livre, liiiivre!

Mas, ah, não!, no pé da colina, o pãozinho chegou à margem de um rio largo e agitado. E agora? Como chegar ao outro lado? Os juncos que cresciam à margem suspiraram e sussurraram, e no meio deles uma raposa ruiva mostrou a ponta de seu tocinho preto.

-Ah, pobre pãozinho – disse a raposa, lambendo os lábios com sua longa língua cor-de-rosa. – Vejo que está com um problema. Mas eu posso levá-lo até o outro lado.

-Não, não, obrigado – respondeu o pãozinho, com sua vozinha rouca. Você quer me comer, eu sei.

-De jeito nenhum! – protestou a raposa. – Sente-se na ponta da minha cauda, onde ficará seguro, e eu o levarei para o outro lado.

O pãozinho rolou para cá, rolou para lá e então disse:

-Está bem. Assim parece seguro. – Ele pulou para a ponta da cauda da raposa, e a raposa entrou na água.

Logo o rio ficou mais fundo. A raposa começou a nadar e disse:

-Venha para minhas costas, pãozinho, ou ficará molhado.

E o pãozinho rolou para as costas da raposa.

-Venha para meu pescoço, pãozinho, a água está ficando muito funda. Na metade do caminho, a raposa falou:

E o pãozinho rolou para o pescoço da raposa. A três quartos do caminho, a raposa disse:

-Venha para a ponta do meu focinho, pãozinho, ou você vai se encharcar!

Ainda acreditando que estava seguro, o pãozinho, tostadinho de dar água na boca, rolou para a ponta do focinho preto da raposa. Vuup. A raposa balançou o focinho no ar, apanhou o pãozinho na descida e crunch-crunch, comeu-o sem cerimônia.

Rindo de satistação, virou-se e nadou de volta.

Esse é um exemplo de repetição de fala e de ação, quando uma mesma sequência de fala e ação se repete, com uma pequena mudança a cada vez. Outra forma de repetição são as situações que se justapõem, que vão se somando em sequência, como quando um ou mais personagens realizam ações sucessivas que se repetem, podendo ser de acumulação – daí as histórias acumulativas -, ou de subtração – como os tangolomangos.

Os contos acumulativos são muito comuns nas Américas e em Portugal, mas aparecem no folclore de diversas partes do mundo.  Muitos contos desse gênero e em diferentes versões já foram recolhidos no Brasil por vários autores, em muitos casos de origem portuguesa, espanhola ou africana, com acréscimos e alterações locais.

No mesmo livro já citado, a compiladora de contos Linda Rode conta uma história que é um bom exemplo de conto acumulativo, onde as situações vão se justapondo, se somando sucessivamente.

“Piggy-Wiggy vem do mercado”. RODE, Linda. Na terra do Nunca-Jamais. São Paulo: Martins, 2014. Ilustrações Fiona Moodie.

Em uma região na África, onde cacaueiros e bananeiras crescem altos e viçosos, certo dia um menino foi ao mercado. Seu nome era Kofi. Sua mãe lhe deu dinheiro, um punhado de amendoins para comer pelo caminho e lhe disse para comprar um porco.

Kofi escolheu um porco pequeno e gordo. Ele assobiava enquanto voltava com seu porquinho. Porém, antes de chegar em casa, havia um rio para atravessar. Piggy-Wiggy empacou.

-Oinc, óinc- grunhiu ele., -Não vou entrar na água.

Kofi pediu:

-Por favor, Piggy-Wiggy, não se negue a se molhar,

Ou a gente não chega até a hora de deitar.

Mas Piggy não quis entrar na água.
Koi caminhou pela margem do rio. Viu um cachorro e disse:
-Cachorro, Cachorro, por favor, morda o Porco.
O Porco não quer atravessar o rio.
Desse jeito eu não vou conseguir chegar
antes da hora de me deitar.
Mas o Cachorro não quis morder o porco.
Kofi continuou andando. Ele viu uma vareta e disse:
-Vareta, Vareta, por favor, bata no Cachorro.
O Cachoro não quer morder o Porco,
o Porco não quer atravessar o rio.
Desse jeito eu não vou conseguir chegar
antes da hora de me deitar.
Mas a Vareta não quis bater no Cachorro.
Koi andou um pouco mais pela margem do rio. Ele viu um fogo aceso e disse:
– Fogo, Fogo, por favor, queime a Vareta.
A Vareta não quer bater no Cachorro,
o Cachorro não quer morder o Porco,
o Porco não quer atravessar o rio.
Desse jeito eu no vou conseguir chegar
antes da hora de me deitar.
Mas o Fogo não quis queimar a Vareta.
Então, Kofi falou com a água do rio:
-Água, Água, por favor, apague o Fogo.
O Fogo não quer queimar a Vareta,
a Vareta não quer bater no Cachorro,
o Cachorro não quer morder o Porco,
o Porco não quer atravessar o rio.
Desse jeito eu não vou conseguir chegar
antes da hora de me deitar.
Mas a Água não quis apagar o Fogo.
Kofi viu, então, uma enorme cobra enrolada entre os juncos e disse:
-Cobra, Cobra, por favor, beba a Água.
A Água não quer apagar o Fogo,
o Fogo não quer queimar a Vareta,
a Vareta não quer bater no Cachorro,
o Cachorro não quer morder o Porco,
o Porco não quer atravessar o rio.
Desse jeito eu não vou conseguir chegar
antes da hora de me deitar.
-SSsSssim – sibilou a enorme cobra, -Essstou messsmo sssedenta. Bassstam algunsss golesss, e o rio ssserá terra barrenta.
E a Cobra começou a beber a Água. Sssip, sssip, sssip…
A água ficou com medo e apagou o Fogo.
O Fogo queimou a Vareta.
A Vareta bateu no Cachorr0.
O Cachorro mordeu o Porco.
O Porco atravessou o rio, splish-splash-splosh!
E Kofi chegou à sua casa antes da hora de deitar, com Piggy-Wiggy trotando na frente.
-Muito bem, Kofi -disse sua mãe, antes de lhe servir mandiocas cozidas bem molinhas para o jantar.
E quem quiser ler ou ouvir mais exemplos de contos com repetição, aqui vão algumas dicas disponíveis na internet.

A história da pimenta: uma das muitas variações da história do macaco que perdeu a banana

Doze contos acumulativos: doze exemplos de contos acumulativos transcritos

Malaquias, o macaco cismado: outra versão do macaco que perde alguma coisa, áudio 

Baú de Histórias – Coca Recoca : vídeo de conto com repetição, com música

Baú de Histórias – A Velha a fiar: vídeo da música cantada, com narrativa acumulativa

Contos indígenas e africanos

por Lucas Meirelles

modo: tirando a poeira o blog

Bom dia, boa tarde, boa noite!

Já iniciamos o ano de 2021 há um tempo e vamos voltar a publicar conteúdo aqui para o blog 🙂

Para iniciar falaremos sobre  contos indígenas e africanos (fruto de uma pesquisa para a Educação Infantil e de nossa constante atenção). Com isso, não pretendemos esgotar o assunto, mas certamente abrir possibilidades para discussões futuras.

Em nosso acervo, essas duas expressões de contos estão alocados em classes distintas e separadas do restante da literatura infantojuvenil. Estão dentro da Coleção de Literatura Infantojuvenil (CIJ) e dentro de Contos, mitos e lendas – dentro dessa classe as histórias são separadas por nacionalidades, povos e/ou etnias.

Ambos os indígenas e africanos são contos, geralmente, bastante conhecidos, lidos, adaptados e até corporificados em contos, mitos e lendas ditos brasileiros. Temos uma cultura muito diversa com influências dos povos de dentro e dos povos de fora, trazendo algumas dificuldades para saber a exata localidade do conto e saber se é um conto tradicionalmente brasileiro ou de algum outro povo. Muitos desses contos têm características similares a outros contos folclóricos: contos com animais que falam, contos de repetição, histórias com dilemas, fantasia e aventura, etc.

E esses contos ainda têm raízes de tradições orais, então não é fácil ter certeza do local ou do povo que criou o conto. Devemos muito a antropólogos, antropólogas e pessoas que estudaram (e estudam) o folclore por sabermos as histórias.

A África são muitas. Grande parte da imigração de lá para o Brasil se deu por conta do triste período do tráfico de escravos para o Brasil. Atualmente essas imigrações chegam também por conta de guerras e outros problemas socioambientais, e também por algum acordo entre os países lusófonos (na África temos Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe). As religiões e sociedades africanas são tantas e muito representadas dentro da literatura e das histórias, trazendo esses pontos de vistas.

Sem medo de ser redundante: os povos indígenas do Brasil também são muitos! E sobre os contos indígenas comentamos os criados e contados a partir da chegada dos portugueses e da divisão territorial do Brasil (dizimação de populações de diversas tribos, processos de aculturação, etc.). Por muito tempo (até hoje!) os povos originários sofrem com seus territórios e a luta é constante. Os contos têm, em geral, uma grande complexidade e uma fase de adaptação na leitura. Hábitos alimentares, espiritualidades, relações com a natureza são algumas das adaptações que grande parte dos leitores e leitoras precisam passar quando não têm um contato mais significativo com culturas indígenas.

Ler essas literaturas, nos faz apreciar e conhecer culturas únicas e que, por mais diferentes que sejam, podem nos aproximar e fazer perceber o quão parecidos somos todos – ou que não temos nada a ver também 🙂

Para saber mais sobre literatura infantojuvenil e sobre povos indígenas e africanos, indicamos os seguintes sites:

… além, é claro, de nosso acervo de literatura infantojuvenil!!

O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos

por Lucas Meirelles

 

Final do ano chegando: festas, encontros e celebrações. Um fim de um ano muito estranho e diferente. E que com bastante cuidado e afeto pode ser celebrado e resoluções de ano-novo são muito bem vindas.

Pensamos, em uma de nossas reuniões, em muitas histórias de Natal, de fim de ano, e decidimos, numa espécie de celebração, pela história do Quebra-Nozes para ser feita a leitura e presentear nossas leitoras e nossos leitores.

“O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos” é um romance natalino de E.T.A. (Ernest Theodor Amadeus) Hoffmann, publicado em 1816. É uma fantasia muito conhecida dentro do imaginário ocidental, sendo adaptado para outras obras literárias, para o balé, cinema, teatro, música, etc. Muitas transformações de um grande romance.

Adotamos essa versão da editora Zahar (que conta também com a versão de Alexandre Dumas, que inspirou o balé “O Quebra-Nozes” de Tchaikovsky). Resolvemos, então, cada membro da equipe revezar a leitura dos capítulos. Vocês podem acompanhar os vídeos nessa playlist aqui.

 

Boas festas, um ótimo ano novo e até breve!

Música que inspira literatura ou literatura que explica música?

por Lucas Meirelles

Ilustração de André Neves

Música e literatura andam lado a lado. Por vezes bem juntas. Por outras, mais separadas. Mas sempre uma de olho na outra.

Na formação do nosso acervo, vez por outra nos esbarramos em livros sobre música e também músicas explicadas ou traduzidas em livro. Há uma aproximação explícita da poesia estar entre a música e a literatura. Muitas poesias são musicadas e transformadas, então, da literatura para a música.

Fiz um levantamento sobre essa intersecção com alguns exemplos mais óbvios e outros que demandam mais atenção às insinuações musicais. Muitas publicações que poderiam fazer parte desse levantamento ficaram de fora por conta do tamanho da lista e, principalmente, para poder instigar a curiosidade em conhecer mais o acervo de nossas bibliotecas. Além desse levantamento, temos publicações de biografias de músicos e músicas, livros sobre ritmos musicais, livros sobre música e sociedade, songbooks, teoria musical, enfim, muita coisa disponível se quiser saber mais sobre. Inclusive, se tiver indicações, pode compartilhar nos comentários ou conversar com a gente!

 

Amoras / Emicida ; ilustrações Aldo Fabrini. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2018. [44] p.

O primeiro título é o Amoras, do cantor Emicida. O livro nasceu a partir da música de mesmo nome do livro. Essa adaptação da música para a literatura infantojuvenil é feito de um jeito simples, mas poderoso, trazendo bonitas ilustrações que conversam com a história/letra da música e dá o ritmo da leitura. Vocês já pensaram em ler esse (ou outro) livro ouvindo música? Será que ajuda? Atrapalha? O que vocês acham?

 

 

Os saltimbancos / Sergio Bardotti ; tradução e adaptação Chico Buarque ; música Luis Enrique Bacalov ; ilustrações de Ziraldo. Belo Horizonte : Autêntica, 2017. 31 p.

Pensei nesse título primeiro por uma questão afetiva. Esse livro – na verdade, o vinil com as músicas – me acompanha desde a primeira infância. Ouço sempre as músicas d’Os Saltimbancos e sempre me emociono. Acompanhar os acontecimentos da vida do cachorro, da gata, do burro e da galinha é muito legal. A história foi criada como uma peça teatral musical por um italiano, o Sergio Bardotti, foi musicada por um argentino, o Luis Enriquez Bacalov, e adaptado aqui pro Brasil pelo compositor Chico Buarque. E essa edição conta ainda com ilustrações do Ziraldo!

 

Foxtrote / Helme Heine ; tradução José Feres Sabino. São Paulo : Iluminuras, 2013. [32] p.

Foxtrote é uma raposa. E também é o nome de uma dança criada no começo do século passado. A história de Helme Heine é sobre essa raposa bem musical numa família silenciosa. E música e silêncio fazem uma bela dupla e podem transformar o mundo dessa família e outros mundos também.

 

 

 

 

O fantasma da ópera / Gaston Leroux ; apresentação Rodrigo Casarin, tradução e notas André Telles. Rio de Janeiro : Zahar, 2019. 320 p.

Esse livro é um clássico da literatura gótica, lançado entre 1909 e 1910. Foram feitas tantas adaptações para cinema, teatro, televisão, ópera que o texto original é muitas vezes esquecido. É a história de uma cantora de ópera que é raptada por um fantasma que a mantém até ela amar ele. Porém, antes dela ser raptada há um antigo amor que reaparece vai lutar para salvar ela do fantasma.

E ópera junta-se perfeitamente nesse levantamento, pois é a junção do teatro com a música!

 

Igor, o passarinho que não sabia cantar / história e ilustrações Satoshi Kitamura ; tradução de Eduardo Brandão. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2006. [30] p.

Igor é um passarinho desafinado que, por mais que tente, não consegue cantar junto dos outros. Treina, consegue aulas de canto, ensaia e nada. Pensa em desistir e até foge de casa, mas algo acontece que pode mudar esse pensamento.

 

 

O canto das musas : poemas para conhecer, ler, recitar e cantar / Aline Evangelista Martins, Cibele Lopresti Costa & Péricles Cavalcanti ; organização: Zélia Cavalcanti. São Paulo : Companhia das Letras, 2012. 175 p.

Esse livro é uma coletânea de poesias brasileiras e portuguesas. São poemas que, com a ajuda das Musas, podem ser analisados e relacionados com música. A sonoridade, a melodia, o ritmo, as repetições, os silêncios e todas as características das poesias que se entrelaçam com a música e seus ritmos.

Uma coisa boa de se pensar/fazer depois desse livro é buscar outros livros de poesia e pensar em ritmos e melodias para os poemas.

 

 

Strange fruit : Billie Holiday e a biografia de uma canção / David Margolick ; apresentação, André Midani ; prefácio, Hilton Als ; tradução, José Rubens Siqueira. São Paulo : Cosac Naify, 2012. 141 p.

Strange fruit destoa um pouco dos outros títulos desse levantamento aparentemente mais infantis. E é a história de uma música – a música que virou um símbolo da cantora de jazz Billie Holliday e também uma canção de protesto numa época nos Estados Unidos em que as leis de segregação racial estavam sendo discutidas e manifestações violentas de racismo estavam acontecendo. Não é uma leitura tranquila, devido ao tema, mas pelo visto, bastante atual. Muitas vezes pensando, ou sem pensar, a escolha de uma música tem um grande poder de transformar.

Os três mosqueteiros

Imagem do filme “Os três mosqueteiros”, de 1948, dirigido por George Sidney.

“Um por todos, todos por um!”

 

O lema acima citado faz parte do imaginário criado pela obra de Alexandre Dumas, Os três mosqueteiros. É um romance de capa e espada publicado em 1844 e fez parte da segunda leitura do ano do VilaLê (clube de leitura da Escola da Vila), da unidade Butantã. Durante quase 800 páginas, vivemos as aventuras e amores de D’Artagnan, Porthos, Athos e Aramis e seus lacaios, com histórias ficcionalizadas do Cardeal de Richelieu e do rei francês Luís XIII, do cerco de La Rochelle e outras personalidades da nobreza francesa e inglesa da época.

 

 

Teremos no nosso último encontro desse ano, no dia 30 de novembro, a participação de um dos tradutores do livro, o escritor Rodrigo Lacerda. Perguntas como “Por que são quatro mosqueteiros e no título são só três?”, “Quem governava a França? O cardeal ou o rei?” poderão ser respondidas nesse dia. Faremos um debate virtual sobre o livro, cada um com sua pipoca!

Livros que conversam sobre agressividade e afins

por Paula Lisboa

É verdade que ler é bom por si só, independente de tema a ser trabalhado, ou objetivo a ser alcançado. Ler é gostoso e traz uma série de benefícios pra gente, sempre! Uma leitura também traz possibilidades de conversas, e pode ser gatilho disparador de muita reflexão tanto interna quanto compartilhada.

Levantei alguns títulos que acho especialmente interessantes quando queremos refletir sobre a agressividade existente em nós e nas relações. Se você lembrar de outros livros em torno do tema, compartilhe nos comentários! 

As garras do leopardo / Chinua Achebe com John Iroaganachi ; ilustrações de Mary GrandPré ; tradução de Érico Assis. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2013. 38 p.

No começo, todos os bichos eram amigos. Eles não tinham garras nem dentes afiados, nem mesmo o rei, o bondoso leopardo. A única exceção era o cachorro, que, com seus caninos pontudos, era motivo de gozação entre os animais. Certo dia, o cão, cheio de rancor, resolveu usar o que tinha de diferente para enfrentar o rei leopardo e se tornar o bicho mais poderoso da selva. E foi assim, a dentadas, que ele derrotou o grande líder, mandando-o para bem longe. Mas o leopardo logo retornaria. Dotado de um rugido ainda mais forte, de garras afiadas e dentes reluzentes, o antigo rei voltou para fazer justiça – e, a partir daí, a vida na selva nunca mais seria a mesma. 

Neste conto o escritor nigeriano Chinua Achebe fala de libertação e justiça, referindo-se ao doloroso processo de colonização de um povo. Podemos também encaminhar a reflexão sobre a ideia do uso da força bruta para exercer autoridade. Tem um interessante distanciamento que os contos populares proporcionam – refletir sobre um comportamento humano a partir de uma situação entre animais.

Pinote, o fracote e Janjão, o fortão / Fernanda Lopes de Almeida ; ilustrações de Alcy Linares. São Paulo: Ática, 2006. 32 p.

Janjão era o valentão da turma e nem imaginava que um menino pequeno como Pinote fosse capaz de derrotá-lo. Como era o mais forte, Janjão obrigava todos a fazerem o que ele quisesse, mas não contava com a possibilidade de não poder controlar o pensamento!

A força bruta parecia eficiente para controlar os amigos por um tempo, até Janjão perceber que não há força capaz de controlar o pensamento – e também os sentimentos – dos outros.  

Marilu / Eva Furnari. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 31 p.

Marilu achava tudo chato e sem graça – as nuvens bobas, as montanhas cinzas. Andava sempre aborrecida em seu mundo monótono e sem cor, até que, certo dia, viu uma garota carregando uma inacreditável lanterna multicolorida. Decidida a comprar uma igual, foi em busca da loja vermelha que a garota lhe indicara. Qual não foi sua surpresa, porém, quando depois de comprado o brinquedo começou a ficar cinza. Voltou à loja decidida a protestar, gritar e espernear, mas isso não resolveria o problema, que afinal não estava nas coisas, mas em sua maneira de olhar.

Uma ótima história sobre olhar o mundo com bom humor e assim ser mais feliz. Não adianta querer conquistar as cores da vida com raiva e xilique, mas sim a alegria interior, um modo de ver o mundo.

Nesse link você pode assistir um vídeo com a leitura desse livro.

Nós / Eva Furnari. São Paulo: Moderna, 2015. 31 p.

Mel tinha algo diferente; onde quer que ela fosse, estava sempre rodeada de borboletas. Os moradores da cidade a ridicularizavam e Mel sofria muito. Como se não bastassem as borboletas, um dia descobriu um nó no dedinho do pé. Depois, mais outro no dedo da mão, e mais outros, por isso Mel resolve ir embora. Do outro lado do rio, encontrou Kiko, um garoto também cheio de nós que a ensinou a desfazer nó de nariz, e ela dividiu com ele as borboletas.

Olhando pra menina Mel podemos sentir a tristeza causada pela falta de aceitação e o despropósito do ato de ridicularizar outras pessoas.

 

 

A ponte / Heinz Janisch ; ilustrações de Helga Bansch ; tradução de José Feres Sabino. São Paulo: Brinque-Book, 2012. 27 p.

O rio e a ponte que o atravessa guardam muitas histórias. Certo dia, um urso e um gigante topam um com o outro no meio da longa e estreita ponte. Nenhum deles aceita recuar, nenhum quer arredar o pé, mas não podem passar ao mesmo tempo. Como será que os grandalhões chegarão aos seus respectivos destinos?

Dois brutalhões diante de um problema que não dá pra ser resolvido na marra, na força bruta, na agressividade. Eles precisam baixar a bola para solucionar a questão. Juntos, conseguem encontrar uma forma até um pouco afetuosa para isso!

Nesse link você pode assistir um vídeo com a leitura desse livro.

Tonico, o invisível / Gianni Rodari ; ilustrações, Alessandro Sanna ; tradução, Franscico Degani.. São Paulo: Biruta, 2011. 30 p.

Tonico percebeu que estava invisível. Depois disso, fez muita confusão, trapalhada e descoberta. O que parecia ser muito bom – ficar invisível – significava também não ser visto por ninguém, mesmo quando queria um abraço, um bate-papo, uma brincadeira… Além de divertir, o livro do premiado autor Gianni Rodari leva à reflexão sobre as relações sociais cotidianas e pode provocar discussões muito interessantes: se você estivesse invisível, o que você faria? Parece legal provocar os outros e não levar nenhuma bronca, já que está invisível, mas e na hora de ir brincar com os amigos, também vai ser bom estar invisível? É preciso ser invisível para provocar as outras pessoas? Provocar os outros pode ser uma forma de se mostrar pra quem não está querendo te ver? Como você sentiria se de repente ninguém te visse? Por que ninguém vê o velhinho, ele também é invisível? 

Ninguém vai ficar bravo? / Toon Tellegen, Marc Boutavant ; tradução Patricia Broers Lehmann. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015. 82 p.

Em 12 capítulos curtos, vemos diversos animais zangados e irritados, em diferentes circunstâncias. Alguns tentam entender sua raiva, outros tentam controlá-la, e outros, ainda, deixam-se dominar por ela. São histórias engraçadas e incomuns, mas que também propiciam uma reflexão profunda sobre a natureza das emoções humanas.

Um livro incrível que provoca muita conversa sobre as nossas emoções. 

 

 

Três ursos / Cliff Wright ; tradução: Gilda de Aquino. São Paulo: Brinque-Book, 2008. 32 p.

Sem poder sair de casa por causa da pata quebrada, Urso Marrom está muito preocupado. Seus amigos, Urso Negro e Urso Branco estão se divertindo sem ele – mas na verdade eles estão preparando uma linda surpresa para o Urso Marrom. 

É interessante observar “de fora” a braveza do Urso Marrom, porque a gente sabe que ele não tem motivo pra ficar bravo. Lendo a história conseguimos perceber que ele não precisava se exaltar, mas as emoções podem ser difíceis de controlar… Quem nunca ficou muito bravo porque tinha alguma certeza e depois descobriu que não era nada daquilo?

Leitura na quarentena

por equipe da biblioteca

 

Leitoras e leitores dessa quarentena! A leitura, assim como diversas outras atividades da nossa vida, foi bastante afetada por essa pandemia. São tantos estímulos, tantas dificuldades com distanciamento social e home office, tanto tédio que, por vezes, deixamos a leitura de livros um pouco de lado. Mas lemos sempre: quando assistimos um filme, quando conversamos com alguém ou quando olhamos pela janela o movimento da rua (ou a falta dele). A concentração para sentar e ler um livro (em papel ou eletrônico) tem-nos sido contada como uma grande dificuldade. Então nossa equipe resolveu contar como está sendo a rotina de leitura dentro da casa de cada um/uma:

 

Fernanda Perez:

Já há algum tempo tenho dividido minhas leituras entre os textos literários, minha paixão desde sempre, com textos de estudo, aqueles teóricos, e documentos históricos. Pode parecer chato ter que interromper aquela leitura de que gostamos por uma leitura dita obrigatória, como pode parecer o meu caso, para uma pesquisa. No entanto, fiz a feliz descoberta de que LER é a minha paixão desde sempre. Independe do gênero de texto. Depende muito mais do meu interesse e da curiosidade por determinado assunto ou acontecimento da vida. Ou seja, uma vez que decido fazer uma pesquisa, ao definir o tema dela, minha escolha estará vinculada a algum assunto pelo qual tive curiosidade, quis xeretar, conhecer melhor ou saber mais. Claro que às vezes eu cruzo com textos cujos pensamentos me desagradam por serem diversos dos meus, mas até esses “angus com caroço” são bem-vindos. Nesse sentido, ler textos de ficção ou de pesquisa atende um desejo meu … por conhecer. Conhecer outros mundos. Fantásticos ou reais. Atuais ou passados. Outros personagens, herois e heroínas da fantasia ou da história real. E até outros idiomas. O que eu quero dizer com isso? Quero dizer que o importante é ler: gibi, quadrinhos, literatura, biografias, enciclopédias, dicionários, manuais, fotobiografias, artigos científicos, revistas e até bula de remédio, enfim, ler…quando lemos vários sentidos e sentimentos são despertados. Acionamos mecanismos mentais cognitivos e fisiológicos que nos ajudam a compreender melhor sobre nós e o mundo em que estamos. Afinal, você já não ouviu dizer que as leituras contribuem para entendermos melhor o mundo? Então, Aproveita pra ler! Eu estou lendo Água Funda de Ruth Guimarães.

 

Fernando Santos:

Eu também fui vítima da ilusão de que a quarentena me permitiria tirar o atraso daquela lista de leitura que cresce mais depressa do que os cabelos de um confinado. Às vésperas do isolamento, minha meta era modestíssima: um livro de contos do H. P. Lovecraft que eu queria avaliar (O horror de Dunwich) e um estudo etnográfico do meu interesse sobre os nativos de um arquipélago na costa da Nova Guiné (Os argonautas do Pacífico Ocidental, de Bronislaw Malinowski). Ambos permanecem próximos à minha cabeceira e ainda inéditos para mim. 

Então, no meio do caminho tinha uma pandemia, e com ela a leitura de um turbilhão de artigos, notícias, relatórios, protocolos, e-mails, mensagens, comunicados, leis, pareceres, normas, questionários, tudo relacionado ao SarsCov-2 e à Covid-19, nos idiomas mais variados que se possa imaginar, e ainda tendo de se esquivar do fenômeno de fake news, do lobby político, do lobby econômico e de outros promotores do anticientificismo devotos do terraplanismo. 

Mas houve também a necessidade por ofício de reler vários clássicos para o trabalho com os(as) alunos(as): Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto; Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo; Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez (minha leitura favorita da quarentena, até o momento); a poesia do Drummond; as crônicas contemporâneas da Eliane Brum; ensaios e artigos literários, históricos, filosóficos, científicos, artísticos, sociais, políticos, econômicos e tudo mais que a sede por informação que uma comunidade escolar pode e deve ter. 

Assim como muitas pessoas, adquiri novos hobbies durante esta permanência doméstica. Desenvolvi um interesse acentuado pelo cultivo de plantas e a criação de peixes ornamentais que demandou cavar espaço para a leitura de obras de aquariofilia e botânica. Estou sempre consultando algum livro do prof. Harri Lorenzi, sendo o último que li de capa a contracapa recentemente foi o seu Cactos e outras suculentas para decoração. 

Enfim, ler é o que eu mais fiz e faço, seja em quarentena ou não, por ofício e desejo próprio. O importante é sempre buscar o prazer de uma novidade que te acrescenta uma nova camada de compreensão do mundo ou que te impacta simplesmente pela originalidade estética que somente a leitura de um belo texto é capaz de proporcionar. Essa busca, tal como aquela lista de leitura, nunca tem fim.

 

Lucas Meirelles:

Bom, no começo da quarentena separei os grandes livros que quero ler e estão separados há um bom tempo: “Grande Sertão: Veredas”, “Moby Dick”, “Graça infinita”, etc e falei: “agora vai!”. E não foi. Ansiedades, trabalho, medo do coronavírus, mudanças foram me tomando e a literatura não me dava mais vontade ou prazer. Parei um pouco de pensar sobre e dei um tempo nas leituras. Tempos depois, peguei um livro de não-ficção, sobre o conflito no Oriente Médio, Curdistão, Rojava y otras milongas más (que já estava me aguardando a leitura há um tempo) e, apesar de bem denso, fluiu bem a leitura. Comecei depois a ler ficção científica, mais precisamente alguns livros da Ursula K. Le Guin (“A mão esquerda da escuridão”, “Os despossuídos” e “A curva do sonho”). Foi um retorno à infância/adolescência quando lia bastante esse gênero e gostei bastante dessa volta. Nesse meio tempo foi acontecendo o VilaLê (clube de leitura do F2 da escola). Com encontros online agora nós lemos um livro inteiro já: “Anne de Green Gables”, de Lucy Maud Montgomery. E estamos lendo nesse momento “Os três mosqueteiros”, de Alexandre Dumas, um grande romance de capa e espada com a história da França como pano de fundo. Acabou que vou ler pelo menos um romance bem grande na quarentena! 🙂

 

Paula Lisboa:

Sempre fico com a sensação que eu poderia e deveria ler mais, e nesse período de quarentena não está sendo diferente. Achei que eu teria mais tempo pra pegar um livro e me entregar pra leitura sem hora pra parar. Na prática não foi bem assim, pois durante o dia inteiro eu preciso me dividir em diversas funções: trabalho, casa, filhos… Ao longo desses meses comprei alguns livros pela internet, tanto pra mim (O Conto da Aia, Moqueca de Maridos) quanto para meus filhos (Anne de Green Gables, Os Três Mosqueteiros, Fluxo-Floema), e a gente tem um combinado de sempre conversar sobre o que estamos lendo. Às vezes também lemos em voz alta um trecho que gostamos ou sentamos pra ler um conto juntos. Isso é uma boa dica pra gente não esquecer de incluir a leitura na nossa rotina: combinar de ler junto e conversar sobre a leitura com as pessoas que moram com você. Um livro que nós três gostamos de ler juntos é o Mais de 100 Histórias Maravilhosas, da Marina Colasanti. Além dos livros de contos e romance em capítulos, nessa quarentena também li alguns livros de estudo e muitos artigos na internet. Afinal, nunca paramos de estudar, estamos sempre aprendendo!

 

E vocês? O quê estão lendo? Estão com dificuldades? Conta pra gente!

Ursula K. Le Guin

por Lucas Meirelles

 

Olás!

Antes de apresentar essa escritora e criar um perfil biobibliográfico, vou contar que ela – e seus livros – têm me acompanhado durante esse período de quarentena. Já li dois e estou no terceiro livro que falarei mais para frente sobre.
Então vamos à autora e sua obra!

Ursula Kroeber Le Guin, escritora estadunidense, nasceu em 1929 e faleceu em 2018. Filha de dois grandes antropólogos, Alfred L. Kroeber e Theodora Kracow-Kroeber, escreveu romances, contos, novelas, poesias e literatura infantojuvenil, além de ensaios e traduções. Durante sua vida recebeu diversas premiações literárias e algumas de suas produções foram adaptadas para o cinema e a TV. A crítica que ela recebia sobre sua literatura foi de encontro à educação e questionamentos que lhe foram dados desde o começo de sua infância.

Ela é muito conhecida por ser uma autora de ficção científica. Então em muitos de seus escritos temos distopias e utopias, mundos extraterrestres, vida artificial e os impactos de tecnologias e avanços científicos nas sociedades. Além dessa característica, outros temas e influências são notados e merecem vir à tona. Ela se declarava taoísta e anarquista, trazia em seus horizontes o feminismo, o pacifismo e diversos elementos da antropologia e outras ciências sociais.

O primeiro livro que li dela é o “A mão esquerda da escuridão“, que traz o protagonista Genly Ai, um terráqueo que vai ao planeta Gethen e tem a missão de convencer o povo desse planeta a participar do Ekumen, uma confederação informal dos planetas. A característica marcante desse planeta, e que deixa Genly Ai com muita dificuldade, é o fato das pessoas serem ambissexuais, ou seja, ninguém tem um sexo biológico fixo. Vê-se, então, como o sexo e o gênero influenciam nessa sociedade e como pode se dar o Ekumen.

Depois li “Os despossuídos“, que traz uma utopia anarquista. São dois planetas próximos, Urras e Anarres, que têm sistemas políticos bem distintos: um é capitalista, outro anarquista. Dentro desse pano de fundo, um cientista de Anarres viaja para Urras para fazer um intercâmbio tecnológico e, por conta dessa grande diferença entre os planetas, alguns acontecimentos dão certo, outros nem tanto.

E agora estou terminando “A curva do sonho“, que é a história de George Orr, um homem que, depois de sonhar, altera e transforma a realidade. Ele então começa a ter medo de dormir e sonhar. Em consultas com um psiquiatra e com algumas máquinas eles tentam entender esse fenômeno e, ao mesmo tempo, vão “consertando” com os sonhos a realidade do que está errado no mundo.

Muito mais informações sobre ela e seus livros (além de fotos e ilustrações dos mapas de alguns títulos!!) estão no site oficial dela: https://www.ursulakleguin.com/ (em inglês apenas)

Por enquanto ainda não temos nenhum livro dela de literatura adulta, mas temos em nossas bibliotecas um título infantojuvenil que é o:

LE GUIN, Ursula K. Gatos alados. São Paulo: Ática, 1996. 45, [1] p. ISBN 8508062087.

Texto teatral: é texto ou é teatro?

Por Paula Lisboa

Livro é pra gente ler. Teatro é pra gente assistir. E um texto teatral, é o que?

Um texto teatral é aquele escrito para ser representado, e justamente por isso traz uma série de características específicas que permitem que a gente imagine a história sendo encenada quando lemos. O texto também precisa trazer indicações para atores e diretores transformarem o que está escrito em peça encenada.

Isso não significa que ele não seja feito também para ser lido. Aliás, a leitura de uma peça pode ser realmente muito leve e agradável, o texto é quase todo escrito em forma de diálogos entre os personagens, o que traz um ritmo cadente e de fácil apreciação. Outro aspecto interessante é que quando a gente lê a peça pode imaginar tudo o que o autor descreve da nossa maneira, ao passo que quando assistimos sua encenação já estamos diante de uma interpretação feita para o texto.

Além do enredo que a história conta, o texto teatral também traz a relação dos personagens, o tempo em que a história acontece e o espaço onde se passa a cena.

Geralmente é quase todo escrito em forma de diálogos entre os personagens e traz também algumas observações, que chamamos de rubrica. As rubricas são anotações no texto que indicam como a fala deve ser interpretada, ou o movimento que o personagem está fazendo, ou qualquer comentário sobre a maneira como está acontecendo a cena.

Então o texto teatral basicamente conta uma história através dos diálogos entre os personagens (ou através de um monólogo, quando é um só personagem na peça inteira), sem a presença do narrador que as histórias escritas trazem. Se existe um narrador, ele é colocado como um personagem que fala em cena. Geralmente a peça começa com a apresentação dos personagens e do que vai acontecer, depois surge um conflito, para então se encaminhar para o desenlace.

Existem peças de comédia, tragédia e tragicomédia. O teatro é uma arte muito antiga cuja origem remete aos rituais e celebrações da Grécia Antiga, que com o tempo foram ficando mais elaborados, com textos mais desenvolvidos para serem recitados, inicialmente por um coro. Aos poucos foram introduzidas falas de personagens individuais, assim como aumentando o número de personagens em cena. O autor de uma peça é chamado de dramaturgo, e ele pode ser somente o autor do texto, ou também pode ser o responsável por trazer o texto para a cena.

Eu particularmente gosto muito de ler textos teatrais pois eles me inspiram a criar vozes e posturas para os personagens que falam. Sinto que é uma leitura muito viva, que nos convida a trazer o que está no texto para a realidade!

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Monteiro Lobato: importante e polêmico

Por Paula Lisboa

Monteiro Lobato é tão importante na história dos livros escritos para crianças e jovens no Brasil, que é no dia do seu aniversário – 18 de abril – que comemoramos o Dia Nacional da Literatura Infantil e Juvenil. Mas afinal, por que será que ele é assim tão importante?

Monteiro Lobato é um divisor de águas, pois antes dele não existiam livros escritos para crianças no Brasil. Pode-se dizer que ele mudou para sempre a maneira como os livros para crianças passaram a ser escritos, abriu as portas para novas ideias e novas formas de escrever. Antes de Lobato, nossas crianças tinham acesso a livros de contos cuja intenção era ensinar o que é certo e errado, não tinham como objetivo serem boas leituras de fruição e imaginação. Outra opção eram os clássicos de fora do Brasil que chegavam aqui com traduções em português de Portugal, não escritos por autores brasileiros para crianças brasileiras.

Lobato achava os livros da época tão sem graça, que escreveu em uma carta para um amigo que não conseguia encontrar boas opções de livros para ler para seus filhos, então decidiu ele mesmo escrever bons livros. Ele também reescreveu e traduziu histórias já conhecidas, mas antes escreveu a sua própria história, “A Menina do Narizinho Arrebitado”, publicado em 1920, quando ele tinha 38 anos. O livro vem classificado por seu autor como “Livro de Figuras”, o que já deixava claro que as imagens eram tão importantes para a história quanto o texto escrito. Lobato buscava trazer a realidade do Brasil para seus escritos, que não fossem uma simples imitação do que vinha de fora. Queria que as pessoas se reconhecessem na leitura e que as crianças se apaixonassem pela história.

O sucesso de seu primeiro livro foi total e imediato. Em seu texto as crianças se identificam com a história contada, sentem-se à vontade entre os personagens, a caracterização, o cenário, a linguagem, toda a situação narrada. E assim, com o leitor se sentindo em casa, o texto de Lobato vai nos conduzindo para um mundo mágico e maravilhoso com muita naturalidade, nos fazendo mergulhar no reino das águas claras onde um peixe é o príncipe, ou conversar com um sabugo de milho, ou uma boneca de pano. Nada disso é forçado quando a realidade e a imaginação fazem parte de uma situação muito bem criada.

Monteiro Lobato foi o primeiro escritor brasileiro que escreveu livros de qualidade especialmente para as crianças, e desde que começou a criar a turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, em 1920, nunca deixamos de ter seus livros como importantes na nossa literatura e seus personagens marcaram pra sempre nossa produção cultural.

No entanto, existe uma importante crítica a ser feita a esse grande autor brasileiro. Basta ler algumas páginas para perceber que ele se refere à tia Nastácia como “a negra” e em outros momentos escreve comentários bem grosseiros sobre o fato dela ser negra. Não está certo a gente se referir a uma pessoa pela cor de sua pele, assim como a cor da pele não faz de ninguém melhor ou pior do que ninguém. Nosso país traz em sua história a triste e dolorosa passagem da escravidão dos negros africanos e isso deixou muitas marcas na nossa linguagem e na nossa cultura. Até hoje, em 2020, ainda estamos aprendendo a fazer diferente. Nesse sentido, é importante lembrar que quando Lobato escreveu esses livros, há 100 anos atrás, as pessoas achavam que era normal discriminar pessoas negras, ou mesmo fazer piadas constrangedoras e sem graça. É bem desagradável encontrar essa discriminação nas palavras de um dos maiores escritores brasileiros, isso nos deixa constrangidos e embaraçados. Afinal, se um escritor, que conhece tão bem as palavras, se expressa dessa forma, imagine as pessoas comuns!

Sim, isso é uma coisa muito ruim encontrada na obra do Lobato, mas não faz seus livros serem menos interessantes, nem tira a sua importância na nossa literatura. Isso fala sobre a nossa história e nossa formação, e não devemos esquecer nossa história, por mais triste que ela seja. O importante é conversar sobre isso, comentar, apontar, refletir. Não finjam que nada está acontecendo. É preciso trazer para a consciência sempre que percebemos a linguagem depreciativa no texto, e seguir pensando em maneiras de retratar o racismo presente em nossa linguagem. A busca deve ser sempre pelo respeito, por nos tratarmos bem uns aos outros, sem discriminar ninguém por ser diferente de mim!

Fica aqui o convite para o mergulho na obra original de Monteiro Lobato. Com o olhar atento, tenho certeza que todos vão se apaixonar por sua narrativa criativa e inteligente.